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Gravidez não é doença. Mas, existem riscos. Risco biológico (perdas de vidas) e risco social (gravidez indesejada e na adolescência)


Foto: CEMEP - oto

Gravidez não é doença. Mas, existem riscos. Risco biológico (perdas de vidas) e risco social (gravidez indesejada e na adolescência). A indesejada leva a atitudes desesperadoras pela mulher e a interrupção a qualquer preço (aborto provocado). Evitar a gravidez foi uma conquista na liberdade da mulher. Os riscos iniciam-se na concepção e seguem em meses seguintes. Muda o corpo, altera-se a pressão arterial e a retenção de liquido corporal. Tudo evolui até o momento crucial: o parto. A escolha do tipo de parto mudou com o tempo e com a facilidade cirúrgica. A dor, algo inerente à cultura do parto, é relegada. Passa a ser rejeitada. A Organização Mundial da Saúde (OMS) confirma o parto vaginal como o parto natural, o mais fisiológico para o feto. A escolha da mulher e de grande parte dos médicos é pela cesariana. Consideram o parto vaginal algo animalesco, o sofrimento da parturiente, a dor do parto não deve existir, optam pela cesariana com dia e hora apropriada aos desejos médicos e de familiares.

Com o crescente número de partos cesáreos, ao estudante de medicina restam poucos lugares para aprender, gradativamente vai desaparecendo aluno e professor com experiência em parto vaginal (normal). Como uma perda cultural, como uma língua em extinção. Desaparece uma forma de comunicação de aprendiz e mestre, por falta do seu uso. Permanecem algumas ilhas de resistência em Clinicas reservadas para aquelas mulheres sem direito a escolha. Para estas mulheres, o parto natural, vaginal, é o que se apresenta. Um paradoxo, estas mulheres oferecem o melhor, o dito mais seguro para o feto, o mais recomendado pelas instituições de saúde reguladoras de ensino e pesquisas, em troca da sua dor. A mãe, com sua dor, oferece o melhor a seu filho.

O estudante de medicina ao se defrontar pela primeira vez em uma sala de parto é tomado pelo pavor. Com a iminência da expulsão fetal, antes do choro e grito de vida fetal, receiam pelo tremor das mãos. Como segurar um feto envolto em líquido amniótico e deslizante? Seu primeiro teste: garantir a passagem fetal de um ninho seguro para um mundo de incertezas. Devem garantir a segurança do novo ser, ao evitar a queda do feto, que desliza entre seus dedos.

Certa vez, de uma mãe ouvi uma história, algo inusitado. Tudo levava a um delírio. Ela encontrava-se em instituição psiquiátrica. A razão da internação foi uma depressão pós-parto, algo infrequente e de causa não muito clara. Dizia: "Sou do interior, sul capixaba, moro em uma roça. Com os últimos meses da gravidez, certo dia, percebi a perda de líquido e uma forte dor na barriga." Encontrava-se em casa e sozinha com o filho adolescente. Solicitou ao filho: tesoura, toalhas, água fervida e barbante. Ele preparou com rapidez. Pelo número de filhos que dera a luz, sabia que aquele nasceria rapidamente. O adolescente segue as ordens da mãe e segura com firmeza o novo irmão, corta o cordão umbilical e amarra com barbante. Com o fim do relato, fiquei com a impressão que o pequeno rapaz, no pensamento da mãe, tornara-se homem e, a magia daquele momento, em fantasia ou realidade, ajudava em sua cura.

 

Sergio Damião Santana Moraes


Sergio Damião Médico e cronista

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