De Delson para Rosita - Jornal Fato
Artigos

De Delson para Rosita

Andava eu, como tenho andando, pesquisando coisas de e sobre Monteiro Lobato


Andava eu, como tenho andando, pesquisando coisas de e sobre Monteiro Lobato, pra mim dos mais importantes escritores do Brasil. Especialmente nessa pesquisa, estou movido por raiva particular, por ter verificado que alguns primários andam tentando transformar Lobato num cidadão preconceituoso, em desfavor dos negros - coisa de gente sem profundidade. A pesquisa é para escrever crônica em defesa de Monteiro Lobato, ao mesmo tempo em que escreverei - e falarei - dos preconceitos de nós todos, que podem ser vencidos sim, ao menos os que não do coração, e sim da repetição da vida.

Pesquisando, cheguei a pequeno livro, o qual nunca tinha visto e nem imaginado existisse. Livreto, na verdade; autor Edgard Cavalheiro, publicado em 1955 - "A Correspondência Entre Monteiro Lobato e Lima Barreto", este último, também, membro de minha galeria de autores universais.

O susto foi grande. O "mané" aqui não sabia que eles foram contemporâneos, foram amigos e que Lobato foi um dos sustentáculos do mulato "louco" Lima Barreto. Como pude, fã de ambos, desconhecer o momento etéreo deles, como o livro descreve? (Mas tudo isso é matéria para pesquisa futura, sobre fúteis cidadãos que querem carimbar Monteiro Lobato como racista; e ele não é e nunca foi). O livro de Edgard Cavalheiro é antigo e o garimpei na Estante Virtual (site da internet que comercializa livros antigos).

E aí fujo de tudo o mais escrito acima para concentrar-me na dedicatória escrita no livro, letras delicadas e mensagem delicadíssima que até me fez "esquecer" dos meus dois ídolos. Está escrito na dedicatória:

 - "À Rosita, prazerosamente, por vários motivos, ponho-lhe nas mãos este "Caderno". Delson, Belo Horizonte, 04 de outubro de 1955".

Passados 64 anos da escrita, onde estará Rosita, Delson onde estará? Estão entre nós? Casaram-se? Continuaram amigos? Desencontraram-se nos escaninhos da vida? Ou o quê? E quais seriam "vários motivos" da caprichosa escrita de Delson que agora me chega e instiga? Terá sido porta de entrada de paixão eterna, ou simples paixão passageira, ou boas lembranças de bons tempos que passaram juntos? Ou mero e formal agradecimento pelas coisas simples do dia a dia de ambos, consequência da atenção normal que Rosita, um dia, ou por muito tempo, dera a Delson?

Não acredito na última hipótese. Há coisa profunda aí, na letrinha tão bem elaborada que, pra mim, que bom, serviu para amainar o ódio contra detratores de Monteiro Lobato e me centrar na vida e obra dele e de Lima Barreto, sem deixar de me referir, claro, aos que homenageio e a quem dedico esta crônica capixaba - Salve Rosita, Salve Delson.

 

 

GIL GONÇALVES, 111 Anos

Gil Gonçalves nasceu em Cachoeiro (02/10/1908). Filho de Ricardo Gonçalves, espanhol e de Virgulina Maria Gonçalves, de Itapemirim. Do pai, benemérito da cidade, fundador da Maçonaria e partícipe de movimentos em prol de Cachoeiro, adquiriu paixão pela terra. Construiu, foto a foto, o maior arquivo fotográfico da História de Cachoeiro. Não era fotógrafo e, diz a lenda, nunca fotografou. Segundo Paulo Herkenhoff, o início se deu com fotografias do velho Ricardo. Parte do acervo foi reunido em livro (Imagens de Cachoeiro, esgotado) patrocinado pelos descendentes, na Fundação Ceciliano Abel de Almeida.

Estudou no Bernardino Monteiro e no Pedro Palácios (ao lado da Casa dos Braga), em Cachoeiro e no Pio Americano, no Rio. Casou-se em 05/10/1940 com Lysette Sandoval Gonçalves, com quem teve os filhos Carlos Sandoval, Lúcia e Hilda. Em 1945 entrou para o Banco do Brasil, lá permanecendo até a merecida aposentadoria.

Amigo de infância de Rubem e Newton Braga, tinha frequentes contatos com o cronista maior. Deixou escrito artigo publicado em 1934 no Correio do Sul (sobre o vocábulo "Cachoeiro"). Escreveu relato de tumultuada viagem de barco (Cachoeiro a Itapemirim), a pedido de Rubem Braga, no qual tive honra de dar redação final.

Seus amigos, sabendo do seu rigor sobre o nome da cidade (Cachoeiro de Itapemirim), com frequência diziam-lhe "Cachoeira do Itapemirim". Conforme Newton Meirelles, incontáveis as vezes que Gil Gonçalves explicava didaticamente: "é "Cachoeiro de" e não "Cachoeira do"", não se furtando a uma rebuscada histórico-geográfica. Seu nome homenageou Gil Goulart, dos mais importantes administradores de Cachoeiro.

Faleceu em 26/08/1996, em Cachoeiro, vésperas dos 88 anos. Grande exemplo de amor à terra, o que demonstrou ao colecionar e entregar à posteridade o importantíssimo acervo "Coleção Gil Gonçalves". Tal seu respeito pelas fotos, que registrei no prefácio que fiz no seu livro póstumo: "Lembro-me do início. Por gestos que me pareciam involuntários e naturais, era proibido a mim e a qualquer outro tocar as fotografias. Pairava no ar um respeito sagrado por aquelas preciosidades. Que eu, e mais quem fosse, as visse nas mãos dele, já trêmulas, embora comandadas por um cérebro de prodigiosa memória que o acompanhou até o fim de seus dias". Taí um cachoeirense que deixou saudades.

 

 

Uma Carta

Cachoeiro, 18 de abril de 1986.

Professor Paulo Ronai,

Escrevo apenas para agradecê-lo pelas aulas que são cada um de seus livros. Conheço o "Não Perco o seu Latim", o "Dicionário Universal de Citações" e o "Escola de Tradutores", para mim suficientes para entender que fronteiras são as fronteiras de nossos sentimentos e não as geográficas, essas muitas vezes traçadas a despeito os sentimentos da humanidade.

Já li muitos livros, não tantos quanto desejo, mas o suficiente para, muitas vezes, ter a necessidade de dirigir um agradecimento ao autor. Mas em todas às vezes não fiz o que estou fazendo agora. Os elogios e as críticas se fazem necessários para que outros leitores tomem conhecimento de uma obra e para que essa obra ganhe vida ou não.

Mas não é o caso presente.

Escrevo para agradecê-lo pelo prazer que me dá passar página por página os seus escritos. São aulas importantes que dão a verdadeira dimensão da vida. Não sou tradutor, nem ao menos sei falar uma língua estrangeira, mas que satisfação correr os olhos pelo "Escola de Tradutores". Quanta coisa pude aprender, não de tradução, mas de vida. Que Edgar A. Poe, Baudelaire e mestre Aurélio tenham suas vidas interligadas, é uma informação, mas quanto é saboroso saber, através de suas linhas, como é importante o amor e a dedicação na realização de qualquer tarefa. E por ai afora vão se escorrendo os seus ensinamentos de homem universal.

Não pretendo mais nada, apenas aproveitar este palmo de papel para homenageá-lo. Mais uma homenagem, de uma pessoa comum, que partilha do mesmo sentimento universal seu.

Não se dê nem ao trabalho de responder.

Cordialmente,

Higner Mansur

(Carta que escrevi há 33 anos ao grande autor Paulo Ronai. A resposta dele está por aqui, mas não a achei na primeira busca. Achando-a, publico-a, aqui).


Higner Mansur Advogado, guardião da cultura cachoeirense e, atamente, vereador

Comentários