Conexão Mansur: Personagens de Nossa História - Jornal Fato
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Conexão Mansur: Personagens de Nossa História

Não existe melhor exemplo do que o bom exemplo daqueles que viveram entre nós


- Ilustração: Zé Ricardo

Em homenagem a tanta gente de qualidade que nasceu ou que passou por nossa Cachoeiro de Itapemirim, publiquei 48 minibiografias a partir de junho de 2006 (portanto já passados 17 anos), na revista SETE DIAS, a pedido do Joacyr Pinto. Estou repetindo-as, agora, aqui no CONEXÃO MANSUR, num preito de homenagem a esses biografados e para que as novas gerações que não os conheceram pessoalmente possam buscar lições no passado, enquanto traçam suas rotas para o futuro. Essas são as razões principais, dessa "repetição". Não existe melhor exemplo do que o bom exemplo daqueles que viveram entre nós.

Breve publicarei as minibiografias de mais outros três cidadãos ilustres da Capital Secreta do Mundo.

 

04 - MANOEL GONÇALVES MACIEL

O Professor Maciel nasceu em Alegre, em 10/06/1917, e se transportou de corpo e alma para Cachoeiro em 1930. Técnico de Contabilidade pela Escola de Comércio dos Herkenhoff, foi funcionário dos Correios (Chefe da Agência e Inspetor Regional).

Teve intensa participação em todas as áreas da sociedade cachoeirense. Entre tantas atividades, foi diretor de Cooperativa, Presidente do PTB, Presidente do Mobral, participante do Projeto Rondon, Professor do Liceu, membro da Academia Cachoeirense de Letras (cadeira nº 26), sempre na diretoria. Sócio do Instituto Histórico e Geográfico da cidade e do Espirito Santo, Cidadão Cachoeirense (1984), colaborador frequente em jornais e revistas de Cachoeiro até as vésperas de seu passamento, que se deu em 28/07/2005, em plena lucidez. Era a memória da cidade.

Autor de obra fundamental sobre a História de Cachoeiro (Voltando ao Cachoeiro Antigo, vol. 1 e 2), que publicou com recursos próprios, tinha matéria escrita para outros dois ou três volumes. Não fosse o Professor Maciel, como não fossem dedicados historiadores do Instituto Histórico e Geográfico de Cachoeiro, nossa terra seria o deserto no passado.

Está na apresentação que escrevi para o volume 2 do seu "Voltando ao Cachoeiro Antigo", quando ele ainda vivia entre nós: "Professor Maciel, exemplo de coerência e persistência para nós que o conhecemos, para nós que convivemos com ele e o lemos ... Que as gerações posteriores possam se lembrar do esforço desse homem lúcido e estudioso que está na flor da felicidade, em seus oitenta e seis anos" (morreu aos 88).

Fosse possível resumir o Professor Maciel, resumiria dizendo (a) do extremo cuidado e carinho que ele tinha por sua família; (b) da monumental obra escrita que deixou e (c) do exemplo de dignidade, coerência, espírito público e capacidade, até o último momento de sua vida "disputando força e entusiasmo com os que mal atingiram a maioridade, que agora desceu aos 18 anos".

Sua magistral obra - o "Voltando ao Cachoeiro Antigo", em dois volumes, está há muito esgotada, tendo um terceiro volume ainda inédito.

 

05 - PROFESSOR DEUSDEDIT BAPTISTA

Nasceu em Pureza, RJ, 30.08.1912. Morreu em Cachoeiro, 04.11.1999. Seus pais, José Cupertino Baptista e Carmen Faria Baptista, mudaram-se para Muqui em 1919 e, em 28.08.1921, para Cachoeiro.

De todos os cidadãos que conheci, o Professor Deusdedit foi quem mais participou de atividades públicas na cidade. Professor (Desenho, Inglês, Direito etc.), advogado, colaborador de jornais e revistas, radialista, vereador, orador, secretário municipal, diretor de escolas, animador de comícios e do desfile escolar da Festa de Cachoeiro; onde atuou deixou boa marca. Extremamente justo, foi ponto de equilíbrio dos governos dos prefeitos Hélio Carlos Manhães e Gilson Caroni. Na porta de seu escritório de advocacia existia o aviso: não patrocino causas de despejo de inquilinos.

Simples, tinha prazer em conversar com o homem do povo. Dos mais cultos homens da terra, e isso por não menos de 60 anos de atividade intensa, sua sabedoria não humilhava as pessoas - ensinava.

Fundador do Partido Socialista Brasileiro (PSB), seu socialismo ele trouxe do berço. Nasceu pobre, nasceu digno. Morreu pobre, morreu digno. Trabalhou desde criança. Em Cachoeiro "catou" carvão importado da Leopoldina, engraxou sapatos e foi, nas férias, operário da Fábrica de Tecidos. Em Muqui, aos sete anos, ganhou seu primeiro salário; comprou livro. Viciou-se na leitura e nunca mais parou. Durante infância e juventude, após o jantar, frequentava a Biblioteca da Maçonaria (Fraternidade e Luz), na Rua 25 de março, o que lhe deu muitas luzes. O bibliotecário ia namorar e Deusdedit torcia para ele demorar bastante; poderia passar mais tempo lendo.

Queria ser engenheiro, faltou-lhe dinheiro. Estudando à noite, formou-se em Direito no Rio de Janeiro, 03/12/1936. Quixote, recusou-se a advogar na época da ditadura. Só tirou carteira da OAB em 20/07/1948, após a queda de Getúlio. Como em tudo, honrou a profissão. Com todas as razões, para mim, na minha geração, ao lado de Ney Santos Vianna, é o grande exemplo do exercício da advocacia. Nunca mentiu.

Foi quase tudo o que quis em Cachoeiro; pelo talento e pelo esforço. Não foi prefeito, embora quisesse. Candidato ao cargo, disse ele em 1985: "de cima para baixo fui o penúltimo". Azar de quem? Azar de Cachoeiro.

Gostava de ser chamado de professor. PROFESSOR Deusdedit.

(Existe um livro de homenagem a ele, o livro "Deusdedit Baptista, Cidadão em Tempo Integral", escrito por seus amigos e admiradores (Ed. Booklink, 196 págs.).

 

06 - NELSON SYLVAN

Nascido em Cachoeiro em 10/11/1910, é filho de Pedro Sylvan e de Maria Thereza Sylvan. Faleceu em 24 de janeiro de 2009. Sua marca principal, se homem desse porte pudesse ser enquadrado em uma palavra, é a coerência. Foi político militante. E sempre foi observador mordaz. Filiou-se ao integralismo em 1932 (o segundo a se inscrever no Espirito Santo) e manteve a crença em suas propostas. Não se deixou contaminar pelo extremismo. Fácil era vê-lo discutir e oferecer propostas para o futuro de Cachoeiro. Nunca perdeu as esperanças e nem a verve. Exemplo de homem digno, soube dignificar o que defendia: o bem. Avis rara. Dos primeiros alunos do Liceu (1922) antes dele se chamar "Liceu" (1936). Trabalhou na Cia. Central de Força Elétrica (atualmente EDP). Foi membro da Academia Cachoeirense de Letras (cadeira nº 36), especializou-se em compor trovas. Tem muitas delas deliciosamente picantes, apreciadas e bastante cabeludas, das que não se "cantavam" nos salões de outrora.

Em 20/05/1934, 4,25 h da madrugada, façanha nunca igualada, com três amigos (Pedro Sampaio, Darcy Marques e Murilo Freitas), foi de Cachoeiro a Campos, de bicicleta. Jornada de 19 horas. Voltou no dia 22 e bateu o próprio recorde - 16 horas. (Deve ter sido saudade de Cachoeiro).

Membro do Instituto Histórico e Geográfico. Presidente do Centro Operário e de Proteção Mútua, desde 1969. Sempre viveu ao redor da Rua 25 de março e viu passar por ali boa parte da História de Cachoeiro. Criança, foi contemporâneo de Rubem e de Newton Braga, que também moraram ali. Dele, eu disse em discurso no 1º/05/2005, e ratifico: "Correm os anos, e correm rápidos. E na sua corrida, que bom anunciar, mais cresce o admirável homem, que foi tudo e é tudo. Mais cresce esse portento, em linha reta, compondo o seu papel. São poucos os homens como Nelson Sylvan". São de sua lavra e é retrato dele os versos: "... o poeta, em sua lida, / apresenta, na verdade, / uma mente esclarecida, / sem esta de muita idade..."

 

 


Higner Mansur Advogado, guardião da cultura cachoeirense e, atamente, vereador

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