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São suas iniciais. O nome? Não se recordava. Restava, em documento, uma foto apagada, um registro civil


- Foto Reprodução Web

São suas iniciais. O nome? Não se recordava. Restava, em documento, uma foto apagada, um registro civil. Não se lembrava dos pais, irmãos ou vizinhos. Menos ainda da casa onde morava e os detalhes da redondeza, coisas de sua infância e adolescência. Não havia passado apenas o presente. Sua história resumia-se a um leito de hospital psiquiátrico. Encontrava-se internada, esquecera o tempo, quem sabe meses ou anos, não sabia. Fora esquecida por todos. Quando perguntava, recebia o não como resposta. O sim se iniciou por acaso. Sua vida mudou a partir de uma infecção respiratória - os médicos falavam em pneumonia. Transferiu-se para hospital geral - Santa Casa de Cachoeiro de Itapemirim. A melhora clinica foi rápida, logo desapareceu a febre, tosse e a secreção pulmonar. Alimentava-se naturalmente. No novo ambiente diminuem sua medicação psiquiátrica e dias depois se sentia diferente. Uma agitação, os gestos se alteravam, algo que experimentara anteriormente. A agitação aumenta e é levada ao pronto socorro psiquiátrico, retorna a medicação e logo se acalma. No pronto socorro psiquiátrico - Capaac, os médicos constatam, não necessita internação, precisa de cuidados dos familiares - uma questão social. Ficaria sob os cuidados e proteção do Estado, até o encontro da família.

Permanecia como antes, continuava sem as lembranças. Uma memória vazia - sem nomes ou imagens. Um cartão do SUS registrava endereços (Venda Nova e Conceição de Castelo). Falso. As notícias alvissareiras não se confirmaram. Relatos levavam ao mar. Entre as respostas negativas começava a surgir um caminho, apareciam imagens da areia da praia e das ondas do mar. Lampejos: logo desapareciam. Em instantes, a mente era preenchida pela escuridão e voltava o vazio e uma leve angústia. Era informada sob as buscas. Pouco se empolgava. Indiferente. Em seu mundo não podia existir a ilusão. Sofrera bastante em passado recente e distante.

Mas, algo mudara. Algo iniciado com a visita ao pronto socorro do hospital Capaac. A Assistente Social mostrava-se interessada. Ouvia rumores de uma busca dos seus familiares. Todo hospital se mobilizava. Ouvia sobre a política de humanização do SUS e do CAPS. Nada entendia. Queria a memória de volta, com isso poderia ajudar. Nada. As lembranças desapareceram no tempo.

O domingo foi diferente. Sabia que era domingo, a irmã de caridade, logo cedo, entregou o folheto da missa, seria na Capela da Santa Casa. Uma leve esperança. Algo de novo se anunciava. Na segunda-feira, mês de agosto de 2015, a Assistente Social informou: Encontramos sua família. Moram em Piúma. Bem perto do mar. No carro, junto ao motorista e a Assistente Social, com as informações recebidas, lentamente a memória retornava. Recordava os pais e irmãos, não estava nítido o suficiente para o sorriso em face, ainda assim a lágrima escorreu pelo rosto, a vista levemente turva. Ao chegar, enquanto percorria o quintal da casa e identificava as coisas que via, buscou a mão da irmã e, ainda com a vista turva pela lágrima, pediu: ajude-me a enxergar o mar. Mais tarde, pelas areias da praia de Piúma, caminhou livremente.


Sergio Damião Médico e cronista

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