Saudades - Jornal Fato
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Saudades

Nasci e cresci em Vitória, nossa capital.


- Foto: Divulgação

A capital capixaba contava com o bairro Santo Antônio, Centro (Parque Moscoso e Rua Sete) e, para os mais abastados, a Praia do Suá e do Canto. Desbravava esses locais sozinho ou em grupo, a pé ou de bicicleta e quase sempre sem autorização dos pais. Ainda não existia o entendimento de Grande Vitória, a ligação maior era com Vila Velha, muito pouco com Serra, Cariacica e Viana. Na infância vigiava, do alto do morro, o mar da Ilha de Vitória. Sabia o horário para o banho em suas águas, a pedra perto do Matadouro do outro lado do bairro indicava se o braço do mar estava cheio ou vazio. Apreciava o Monchuá (Monte em Cariacica). Apesar de muito badalado e prestigiado, o Penedo não nos fascinava. Monchuá sim. A praia era algo distante. Camburi era um verdadeiro matagal; Ilha das Caieiras ainda estava livre das invasões. A praia ficava para os finais de semana, quando meu pai voltava das longas viagens. Ele nos levava: íamos, eu, os seis irmãos e alguns vizinhos de caminhão para Ponta da Fruta, Setiba ou Iriri. Poucas vezes em Jacaraípe ou Nova Almeida.  A Praia da Costa já era famosa, mas de acesso difícil. Itaparica e Itapoã uma aventura. O Convento da Penha visitava quando da procissão dos homens na festa da nossa padroeira. A romaria seguia pela Cinco Pontes, única ligação da época com o município Canela Verde.

Gostava das coisas do bairro e da Ilha. Gostava mais das férias escolares. Nas férias viajava com meu pai. Ele era representante de qualquer coisa (charutos, pneus...).  Gostava de ler, apesar dos poucos anos de banco escolar. Das histórias infantis fui presenteado com Aladim e a Lâmpada maravilhosa, minha primeira leitura. Pelo norte do estado, em caminhão, fazia as entregas das coisas vendidas. O sul era bem pouco. Não existia asfalto, era terra batida. Lembro da quebra do carro próximo à Linhares. Eu, aos doze anos de idade, fui encarregado de buscar ajuda mecânica, enquanto ele vigiava a carga. Com um discurso eloquente me fez acreditar que era a tarefa mais importante, nunca desempenhada por um menino. Eu não decepcionei. Algo impensável para os nossos dias. Menino ainda, em estrada deserta, fui e voltei em segurança, em carona com motoristas diversos. Pensei nisso tudo no último fim de semana. Passeava pelas areias macias de Itaparica, Itapoã e Praia da Costa. A proximidade do mar, com seu ruído próprio, a escuridão das águas e a força das ondas do mar foi o que despertou as lembranças. Fiz muitas viagens, conheci muitos lugares, mas nada se compara a liberdade e segurança das viagens nas estradas do tempo da adolescência. Recentemente comprei o livro com a seleção de contos das Mil e Uma Noites, feita por Mansour Challita. Reli Aladim, Ali-Baba, Sinbad o marinheiro. Os contos árabes com o erotismo e moral islâmico são simples, porém esclarecedores da vida. À noite, em vários pontos de Vila Velha temos vistas do Convento da Penha, todo iluminado lembra um Castelo medieval. Isso me faz lembrar que, ele se foi e eu não falei: das viagens que fiz, as coisas simples que vivi nas estradas do norte capixaba foram as que eu mais gostei.

 


Sergio Damião Médico e cronista

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