Rádio de pilhas - Jornal Fato
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Rádio de pilhas


Ontem, indo para casa ao final do trabalho, eu estava à beira da calçada, na faixa de pedestres, esperando que o sinal abrisse para poder atravessar. Enquanto isso, eu me distraía observando as pessoas indo e vindo e o movimento do trânsito, vendo os carros passarem à minha frente. Surgiu então um ASX branco, veículo 4x4 urbano da Mitsubishi, uma entre as várias montadoras japonesas.

Imediatamente associei o carro a um rádio de pilhas que meu pai tinha; a marca também era Mitsubishi; a diferença estava na logomarca deles. A do carro são três diamantes unidos por uma de suas pontas, formando um triângulo equilátero; a do rádio era como um brasão com um de pontas baixas, compridas e bem abertas, sobre o qual se apoia um pentágono dividido em quatro partes, nas cores preta e vermelha. Como acessório ele tinha uma capa em couro - couro mesmo, de verdade - marrom e forrada com um tecido flanelado, vermelho, com uma alça para carrega-lo. Lembro-me de papai sentado na sala, assistindo aos jogos de futebol pela televisão e ouvindo a narração pelo radinho, colado no ouvido.

Pois bem, uma vez o rádio apresentou um defeito e foi levado para a assistência técnica. Ficando pronto, papai mandou que eu fosse pagar pelo serviço e buscar o aparelho. Fiz o que ele me mandou; mas deveria haver outro rádio similar na oficina, e o pessoal de lá trocou as capas dos aparelhos. O que eu retirei veio com uma capa que era uma imitação barata de couro, bem inferior à capa original do aparelho dele. E eu, tonto que era naquela época - talvez tivesse uns treze anos, então - não reparei e levei o rádio para casa assim mesmo. Resultado, quando cheguei em casa levei uma esculhambação merecida, mas por mim incompreendida, na época. Fiquei um bom tempo com a reprimenda, considerada por mim injusta, atravessada na garganta. Achei que não havia nada demais, afinal uma capa de rádio era apenas uma capa de rádio, bolas! Mas hoje tenho consciência de que fui bastante desatento na ocasião.

Então, voltando meus pensamentos para tempos mais recentes, lembrei-me de meu rigor na educação de minhas filhas; rigor este que persiste até hoje. Aliás, ele está presente não só na educação delas, mas também na minha relação com tudo e todos à minha volta; estilo preto no branco. Só que na vida há muitas zonas cinzentas, nebulosas, e pessoas como eu têm dificuldade em enxergar e se mover nessas áreas.

Fico pensando, então, se não deveria ter flexibilizado - termo bastante utilizado atualmente, né? - algumas coisas, ou ter cedido em outras em minha jornada. Ao mesmo tempo penso que em questões de caráter, de ética, não há o que se negociar, não há barganha: ou é ou deixa de ser. É preciso, contudo, pelo menos ter a capacidade de compreender o outro, de se colocar no lugar dele naquela situação. Ter empatia, enfim, para ser capaz de compreender o que influenciou a pessoa a agir de uma determinada maneira, ou a tomar certa decisão. Mesmo que não concordemos com ela.

 


Dayane Hemerly Repórter Jornal Fato

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