Os sinos tocam... - Jornal Fato
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Os sinos tocam...

Há um mês, mudei de endereço. Passei a residir na beira do Itapemirim, o rio da esperança


Há um mês, mudei de endereço. Passei a residir na beira do Itapemirim, o rio da esperança. Do meu apartamento, no início da manhã e final de tarde, com o sol nascente e poente, tenho a vista mais bonita da cidade, os cartões-postais de Cachoeiro de Itapemirim. Vejo o Pico do Itabira, Frade e a Freira e a sequência de montes de pedras que moldam o nosso vale. Tenho o vento que segue o rio, apesar de um verão alucinante. Gosto do que vejo. Fico com a melhor das impressões da nossa cidade. Tenho esperanças com o rio e dias melhores me invadem, apesar da constante diminuição da intensidade da força das águas em nosso Itapemirim.

 Problemas são com as notícias. E, são muitas. Na rede social, jornal escrito e televisivo e bate-papos. Notícias do Brasil e mundo afora. Lembro quando cheguei a Cachoeiro, um dos primeiros lugares que morei foi na casa do Dr. Wilson Rezende, em frente à Catedral. O sino da igreja, bem cedo e durante todo o dia, incomodava-me, com o passar do tempo, meses depois, passei a não ouvir suas badaladas, me acostumei com o som, passou a não existir aos meus ouvidos. Na Beira Rio, fico próximo à Igreja da Consolação. O sino toca de uma maneira peculiar, diferente de todos os outros sinos. Às vezes, fico em dúvida se é o sino diferente ou se sou eu que mudei. Não importa. Só sei que gosto das badaladas atuais. As 12 e 18 horas, a melodia da Ave Maria acompanha a marcação das horas. Um encanto. Interessante que, durante o mês de janeiro, com o passar dos dias, deixei de ouvir o som que tanto me agradava. Para o bem ou para o mal, nos acostumamos com o que vemos ou ouvimos. E assim, os sinos tocam, mas não ouvimos. Digo isso pelo que vemos nas tragédias atuais. No mar de lama de anos atrás, a da Samarco, a destruição provocada pelo rompimento da barragem de resíduos de minério foi tão impactante nas vidas humanas, e no Rio Doce, que tudo indicava que seria a última em nosso país. Para minha tristeza, a de dias atrás, a de Brumadinho, também no Estado das Minas Gerais, a nossa maior empresa, Vale do Rio Doce, nos decepciona e deixa acontecer o nosso pior desastre ecológico.

Há um ano escrevi sobre cisnes, contei sobre pretinha e branquinha, os cisnes fêmeas, monogâmicas e viúvas, residentes no Rio de Janeiro, no Palácio do Itamaraty. Falei que a tradição, iniciada na década de 30, com o Diplomata Mangabeira, é manter um casal de cisnes brancos e um casal de cisnes pretos. Até dias atrás, casal de cisne-negro, Romeu e Julieta, encontravam-se no Lago do Parque Guinle, em Laranjeiras, na cidade carioca. A cisne-negro encontrava-se feliz, cuidava com zelo de seus filhotes. Romeu, seu companheiro, permanecia junto à família. Na madrugada da última segunda-feira, Julieta foi encontrada com uma facada no peito, atingida mortalmente, não resistiu. Um crime aparentemente sem solução. Nada se fala. O silêncio é triste. Permaneço com a impressão que, assim como me acostumei com as badaladas do sino, nos acostumamos com a violência. Sirenes e alarmes não funcionam. Sinos tocam pelas vidas perdidas, pelos meninos do Flamengo e por todos nós.

 

Sergio Damião Santana Moraes

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Sergio Damião Médico e cronista

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