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Olhar cativante

Em São Paulo, eu vi um olhar diferente. Na verdade, eu já o tinha visto meses antes


Em São Paulo, eu vi um olhar diferente. Na verdade, eu já o tinha visto meses antes. Eram dois olhos negros, bem pretos, a cor era essa, descrever não é tão fácil. Apareciam em um corpo pequeno, 7 kg, um rosto angelical, alguns meses de vida, cinco meses, para ser exato. Estava em meus braços, olhava fixamente para o pai, meu filho Helomar, que se encontrava à minha frente. Bernardo, meu neto, olhava o pai e tudo à sua volta, como que aguardando respostas... De repente, todo o olhar se modifica e um sorriso surge junto da alegria de movimentos de pernas e braços. Lembrei-me do olhar da garça da beira do rio Itapemirim de tempos atrás. O branco de suas penas e a maneira que voava alegrou minha vista, apresentava um olhar inquisidor, incomodava pelo mistério. Muitas vezes os olhares que conhecemos não são presenciais, são olhares que nos relatam em histórias literárias, jornalísticas ou orais. Algo como a história dos cisnes, pretinha e branquinha, as viúvas de idade avançadas, que se encontram solitárias no lago do Palácio Itamaraty, no Rio de Janeiro. Uma história que me sensibilizou foi a história dos olhares que trocaram o casal de papagaios no zoológico carioca. Uma paixão amorosa de difícil solução para os zeladores do parque. Zeladores e veterinários não sabem como mantê-los juntos. A fêmea sempre viveu no zoológico, em cativeiro. Com o cuidado e zelo de todos os funcionários. Libertá-la, para que possa seguir o seu amado, pode significar um grande risco, inclusive a morte em poucos dias de liberdade em uma cidade agressiva aos seus hábitos. Por outro lado, o macho cresceu livre, aprendeu a se defender dos desafios e de todos os predadores, inclusive humanos. Viver os próprios desafios sempre foi sua força vital. Restringi-lo ao cativeiro significará o inicio do fim de uma paixão. Um dilema. Meu olhar é de tristeza pelo casal. Viverão como muitos, na incerteza da concretização do amor. Será era essa a razão do olhar do Bernardo? O pai dele, Helomar, me contou a história dos papagaios, Bernardo estava junto a nós.

Para os filósofos, a existência dos seres vivos torna-se maravilhosa quando existem três tipos de amor: O desejo de Platão (Eros), a alegria de Aristóteles (Philia) e o Ágape (espiritualidade). Significa buscar coisas que se quer e não se tem (Platão); conseguir se alegrar com aquilo que já se tem (Aristóteles) e perceber que não se pode ser alegre sozinhos (Ágape). Nos amores de Aristóteles e Platão o que vale é o desejo e a alegria de quem ama. Ágape é diferente, o que importa é a alegria do amado. É o exemplo do amor dos pais pelos filhos. Os pais sabem que o sentido maior da vida está na alegria do outro. Nesse instante, os pais libertam toda sua emoção e atingem o grau máximo de sua energia vital e tornam-se uma estrela brilhante em vida, e na vida, dos seus filhos. Dos muitos olhares que presenciei em vida, o olhar do Bernardo me fez diferente. Apesar de toda racionalidade diária, a emoção de ver os dois olhos grandes, e negros, me fez diferente. Na epifania do momento vivido, senti que a alegria e a felicidade de outra pessoa era o que contava. Ser avô é bem mais forte que ser pai. Um passo adiante na nossa existência. Um estágio racional de emoção. Um bem estar que não atingimos quando mais jovens. Valorizamos toques e olhares. Coisas que passam despercebidas por toda uma vida.

 

Sergio Damião Santana Moraes

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Sergio Damião Médico e cronista

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