Justiça estupradora - Jornal Fato
Artigos

Justiça estupradora

Muitas mulheres são estupradas por dia no Brasil, sob a indiferença e complacência de muitos que poderiam agir, mas se omitem. A influencer digital e modelo Mariana Ferri foi apenas mais uma. Só não me lembro de ou


Muitas mulheres são estupradas por dia no Brasil, sob a indiferença e complacência de muitos que poderiam agir, mas se omitem. A influencer digital e modelo Mariana Ferri foi apenas mais uma. Só não me lembro de outro caso em que a justiça (com letra minúscula mesmo) também tenha sido estuprada à luz do dia, diante de tantas testemunhas estupefatas. O poder econômico e o patriarcado venceram de 1000 x 0. Infelizmente.

Estou entre as que se chocaram com a misoginia institucional que transformou vítima em ré. Nada novo quando está em pauta o assédio e abuso sexual de meninas e mulheres. 

A mulher foi estuprada porque estava de roupa curta, ousou ir a um bar desacompanhada, pegou um carro de aplicativo tarde da noite ou simplesmente porque provocou o homem. Desde sempre, a culpabilização da vítima é uma constante.

E neste caso, a menina que foi dopada e estuprada por um playboy, Mary Ferri, era virgem. Então, mesmo não podendo usar o argumento de que ela dava para qualquer um, juiz, advogado de defesa e, pasmem, o representante da Promotoria tentaram desqualificar a moça apresentando fotos dela no exercício da profissão de modelo. Ela foi humilhada de forma vil e o estuprador foi absolvido.

Ainda estou enojada com a postura das autoridades daquele tribunal. É tudo tão triste. Especialmente porque a culpabilização da mulher estuprada é constante a partir do momento que ela decide denunciar. O que você fez para ser estuprada? Com que roupa você estava? Estava sozinha na rua a essa hora? Você estava procurando. Essas são apenas algumas frases jogadas na cara da vítima, que é revitimizada a cada busca por justiça.

Se aconteceu com a Mari Ferri, imagina com as mulheres anônimas que passam por isso todos os dias. É por isso que nós feministas lutamos tanto para que haja delegacia da mulher, sala especial para atendimento das vítimas e por políticas públicas que garantam a rede de proteção à mulher. É preciso nos unir, estar preparada para as ofensas e xingamentos em relação à nossa moral, mas mesmo assim gritar para que nossas vozes sejam ouvidas. Mari Ferri é cada uma de nós. A dor dela é nossa também. É de tantas outras que têm seus corpos violados, algumas vezes sob as bênçãos e proteção do Estado. Indignação me define nesse momento. Que unamos nossas vozes e nossas forças. É preciso resistir.


Anete Lacerda Jornalista

Comentários