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Quando completei 60 anos de idade, era um sábado. No dia seguinte, domingo bem cedo, acordei com o despertar de um pequeno relógio que marcava, insistentemente, aos meus ouvidos: Tic-tac... tic-tac... tic-tac... Ainda com os olhos fechados, acompanhei o ritmo do relógio que me deixava como que hipnotizado. Em meio à sonolência, e recordações, pensei nos vários episódios do dia anterior, das semanas, meses e anos passados. Logo depois parei as lembranças e tomei a BR 101. Voltei a Cachoeiro e ao seu calor habitual.

Alguns dias atrás completei 61 anos e quase não me dei conta, um ano se passou, assim como se passaram os outros sessenta. Sinto como não os tenha vivido. Mas, há um ano, naquela manhã de domingo, enquanto o tic-tac incomodava os meus ouvidos, muitos foram os temores. Nada se consumou. O Brasil permaneceu com a economia cambaleante e mal administrada; a reforma política e previdenciária não aconteceu - nem por isso deixamos de festejar o final de ano de 2018 e o início de 2019; a Seleção Brasileira não ganhou a Copa do Mundo de Futebol - também por isso não nos desesperamos; a eleição presidencial aconteceu em um clima ameno - apesar de todas as trapalhadas das redes sociais e intransigências das partes envolvidas; os hospitais filantrópicos resistiram à falta de recursos financeiros e à insensibilidade de governos.   Pelo contrário, foi o ano que nasceu Bernardo, meu neto, que completará um ano de vida daqui a um mês. Do tic-tac, e os temores, não lembro. Ficaram guardados no dia que completei os meus 60 anos de idade, permaneceram no domingo longínquo. Como que levados nas ondas do mar de Itapoã. Ou, esquecidos na labuta diária, nos afazeres familiares, nas responsabilidades sociais dos dias, semanas e meses posteriores.

Na primeira semana de 2019, completei 61 anos. Na ocasião, recebi uma mensagem em meu WhatsApp. O filho de um amigo, que não via há muitos anos, me avisava: "Meu pai faleceu. Como sei que você gostava muito dele e sempre perguntava por ele, comunico o local e horário do velório. O corpo chega a Cachoeiro amanhã pela manhã. Ele residia em Vila Velha, bem perto da Praia de Itapoã." Isto é, o corpo do meu amigo ia fazer o caminho inverso que me preparava para realizar nos festejos do verão. Buscaria a praia que me encontrava um ano atrás e encontraria meu neto Bernardo. No dia que completei 61 anos de idade... Acordei cedo. Na noite anterior, retirei o pequeno relógio da cabeceira da cama, e do quarto, não queria acordar ouvindo o tic-tac, não voltaria a pensar através dos seus toques ritmados. Levantei mais cedo do que de costume. Tomei o banho, ao sair do chuveiro me deparei com o vidro do lavatório embaçado. Minha imagem não aparecia. Liguei o exaustor e aguardei pacientemente. Normalmente teria usado a toalha para o encontro da minha imagem refletida. Aguardei a ação do exaustor. Lentamente a imagem se fazia. Gradativamente a minha face eu via. Para minha surpresa identifiquei um sorriso. Sorria... Pensava em Bernardo. Lembrei: voltaria a vê-lo dias depois.

 

Sergio Damião Santana Moraes

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Sergio Damião Médico e cronista

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