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É onde a morte nos ronda. Onde percebemos que a carne é temporária, facilmente vista em cada escara ou úlcera de pressão sacral do doente acamado de uma enfermaria


- Foto: Reprodução/web

Hospital é lugar de extremos. Da alegria do nascer à tristeza da perda de uma vida. É onde a morte nos ronda. Onde percebemos que a carne é temporária, facilmente vista em cada escara ou úlcera de pressão sacral do doente acamado de uma enfermaria. Onde o valente, o arrogante, se torna o mais humilde dos homens. Hoje, o hospital tem o agravante da insegurança de seus servidores. Isto é, servem, sem ser servidos. Convivem, também, com a violência e as agressões cada vez mais frequentes nos serviços de urgências. Dos vários tipos de hospitais (Geral, Infantil, Cardiológico, Maternidade...), o Psiquiátrico é o que mais chama a atenção para a nossa condição humana. Em todos os outros existe uma alternante mudança de humor com a dor física, na convalescença ou no nascimento de criança, e isto nos faz sentir alegre ou triste. No Manicômio, em estado alienado, morremos antes.

No hospital é possível presenciar cenas marcantes. A mulher se sobressai na solidariedade. Companheira para companheiro, mãe para filho, irmã para irmão. Vão além do vínculo sanguíneo. A mulher se sobressai na doação. Entrega-se nos cuidados. Mas, cada vez mais começamos a ver o pai como cuidador: recentemente presenciei em hospital cachoeirense uma criança/adolescente autista dependente de cuidados, era um sábado pela manhã, bem cedo, o pai se destacava na ajuda. Existem os que ficam sozinhos e como diz a música: Triste é viver na solidão. Na solidão, cresce o medo da finitude. Há momentos de depressão, tristeza, mais ainda na perda de uma vida. Principalmente em Unidades de doentes crônicos.   Porém, vem a defesa, como se fosse um pacto de silêncio, não se comenta o fato. E logo alguém alegra o ambiente. Uma piada, um sorriso, um comentário sobre o vizinho de leito ou dos gols do Flamengo. E as cenas se sucedem... 

Marido chega bêbado para visita hospitalar, entra no quarto para duas pessoas, estão deitadas de lado, são parecidas, beija a primeira que vê ou a que está mais perto, descobre logo depois que a esposa era a outra. Cenas de ciúme por este ou outro motivo são frequentes.  Muitas vezes o ciúme é doentio, mais comum quando o homem é o enfermo. Uma neurose masculina. Faz lembrar a paranóia de Bentinho sobre a suspeita de traição de sua mulher Capitu, descrita por Machado de Assis, em Dom Casmurro. No hospital os sentimentos estão à flor da pele. Para os profissionais da saúde um local estressante. Necessitando que haja no próprio nosocômio áreas para repouso, leitura, conversa, jogos e estudo. Para alguns doentes é local angustiante. Alguns despertam para a caridade. Na maioria das vezes logo esquecem, o sentimento dura enquanto dura a dor física ou o tempo de internação hospitalar. Há tempo para brincadeira. Paciente ao queixar-se de coceira, o vizinho de quarto logo diz: Não liga não, doutor! Isso é coisa lá do Vela Acesa. Ao observar moribundo e os seus suspiros, a enfermeira corre e avisa ao doutor que o paciente está em seu último suspiro. O médico residente se apressa, pensando na gravidade do caso. Na verdade, o desespero se justificava pelo paciente ser diabético e o suspiro ser feito do mais puro açúcar. Os outros suspiros existem e ficam por conta dos casados e os que vão se casar. Pois, o flerte e a paixão, assim como o amor, fazem parte da essência humana.                                              

                                   

                                            

                                           


Sergio Damião Médico e cronista

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