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O encantamento e medo perante uma fotografia: por isso, o zelo por nossa imagem


- Foto: Reprodução/Web

Fotografia revela detalhes de uma cidade, como se mostrasse seu corpo e alma. Para alguns povos ela rouba a alma das pessoas. Por isso, o encantamento e medo perante uma fotografia; por isso, o zelo por nossa imagem. Nela, gravamos momentos diversos da vida urbana. Imagens bonitas, agressivas, deprimentes... Em alguns momentos, algo surpreendente. A urbe é assim: multifacetada. O visitante descobre minúcias de uma cidade em seus registros. Além das coisas belas, a fotografia denuncia mazelas, falta de cuidados com coisas públicas, desleixos e agressões àquilo que é de todos. Mas, por ser tão reveladora, só é entendida por poucos. Como viajante prefiro gravar em memória. Não consigo enquadrar imagens na tela da câmera; não consigo gravar fatos e instantes que me alegram; coisas que nos atraem; detalhes que importam às minhas sensações. Acho que falta concentração para o momento exato do click. Quem sabe, inconscientemente, o meu olhar não queira partilhar aquilo que interessa apenas a nós mesmos. Ou, o meu olhar é o olhar dos aborígenes: acreditam que a fotografia retira a alma da pessoa e das coisas. Sendo assim, decidi deixar para a memória os instantes vividos. Mais ainda, as fotos de uma viagem, por mais bonitos que sejam os locais e pessoas, nunca revelam os sentimentos. Para muitos, o melhor de uma viagem é o seu preparo, são os dias que a antecede.

Durante a pandemia do coronavírus, nenhuma viagem era segura.  Restava rever, no YouTube, vídeos e fotografias do Brasil e mundo afora.  Das minhas andanças, de tempos atrás, em memória gravei: Paris é uma festa. Mais que a arquitetura; bem mais que ruas e avenidas projetadas; rio bem cuidado; torre; pontes charmosas; povo... O que impressiona é a qualidade do serviço público. Impressiona o transporte e a limpeza. Mais: os banheiros de bares, restaurantes e aeroportos. Locais públicos e privados são impecavelmente limpos. Não é uma coisa de país rico. Vai além. As dependências de casas, calçadas e fachadas, na cidade e vilarejos, são motivos de rivalidades. Disputam entre si, para apresentarem o melhor visual; sem se preocuparem com o luxo. Uma coisa bela e simples. Algo que envolve civilidade: senso de direito e deveres. Os cuidados surpreendem bem antes da surpresa com a beleza arquitetônica. À noite, em quarto de hotel, a televisão apresentava o noticiário da CNN. A jornalista perguntava ao fotógrafo Sebastião Salgado a razão das telas expostas no Museu de Nova York e as fotografias do seu livro (Gênesis). Em inglês, ele revelava a origem de tudo: buscou em tribos da Amazônia, em pontos longínquos da Patagônia e nos animais da África o início da vida. Em Aymorés, uma cidade mineira junto ao Espírito Santo, perto do rio Doce, em terras pertencentes aos seus pais, ele mantém uma reserva florestal. A releitura desta crônica me fez lembrar José Carlos de Oliveira. Assim como Salgado, um fotógrafo apaixonado pelas coisas da natureza. Com a perda de José Carlos ficamos mais pobres nas artes. E, por um longo tempo, entristecidos: nós e os colibris.  A fotografia perde um pouco de sua beleza.


Sergio Damião Médico e cronista

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