Fotocrônicas
Wilson Márcio Depes, meu caro confrade, companheiro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL), tempos atrás, descreveu, em livro, várias figuras folclóricas da nossa cidade.
Cachoeiro sempre apresentou muitas dessas personagens. Pessoas que não fazem diferença para a economia, mas que marcam o cotidiano e o imaginário dos cachoeirenses. Somos marcados por seu comportamento que faz surgir os nossos melhores sentimentos, tais como compaixão, solidariedade, empatia... Isto é, uma alegria não explicada. Uma dessas pessoas era o Agulha. Ocupava dia e noite um espaço sob a ponte que liga a Avenida Francisco Lacerda de Aguiar à Santa Casa de Cachoeiro. Nunca fiquei sabendo o lugar exato de sua moradia, sei que ficava próximo à casa do médico oftalmologista Paulo Ney, um vizinho por quem tinha uma grande estima. Eu caminhava sobre a ponte em direção ao hospital, pela manhã ou durante a tarde, de longe avistava o Agulha. Dava bom dia ou boa tarde e ele respondia com palavras que, na maioria das vezes, eu não entendia. Seus movimentos eram rápidos, frequentemente inquieto e totalmente arredio, apesar de dócil. Respeitava e admirava o Dr. Vicente, Superintendente da Santa Casa na ocasião. Certa vez, tomei conhecimento de um parente do Agulha, um irmão dele estava próximo ao estacionamento do Hospital Evangélico de Cachoeiro (HECI) recusava-se a internação hospitalar apesar do precário estado de saúde, preferia manter-se como morador de rua. Foi convencido, quase uma internação compulsória. Aparentava tristeza nos dias em que permaneceu no leito hospitalar. Dias depois, após a alta do hospital, encontrei-o próximo ao estacionamento do HECI, a alegria retornara. Assim como o irmão, aparentava uma adaptação às ruas da cidade.
No último fim de semana, com o sol já se despedindo do dia, ao sair do Hospital Evangélico, de repente... se apresenta um pássaro, não sei informar o nome, nem lembro as cores, sei que sobrevoou à frente do carro por alguns segundos e logo pousou em um dos fios que ligam os vários postes da nossa cidade. Fios carregados de eletricidade, pelo risco que corria, diminui a velocidade e tentei afastá-lo do perigo. Buzinei timidamente. Nada. Apenas um leve balançar de asas. Agia como vigilante da rua. O carro que me seguia, impacientemente, através de uma buzina, me fez seguir o caminho. O instante, o passarinho em frente ao carro, foi como uma sombra a me seguir e uma poesia se fez: "I have a little shadow that goes in and out with me,/ And what can be the use of him is more than I can see..." Desci o morro dos ferroviários em direção da ponte e o rio Itapemirim. Logo me encontrava no centro da cidade. Em instantes deparei, em frente ao carro, com um homem alto, pele branca, cabelos alvoroçados e seminu. Olhar perdido. Caminhava entre outros carros e motocicletas. Em perigo iminente, tal qual o passarinho. Uma figura conhecida nas ruas de Cachoeiro, bairros e centro da cidade, um personagem diferente das fotocrônicas do Wilson. Pela maneira que caminha pelas ruas da nossa cidade, ele nos leva ao medo. É... Fico com a impressão das nossas figuras folclóricas diminuindo enquanto nossa indiferença aumenta.