Fotocrônicas - Jornal Fato
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Fotocrônicas

Wilson Márcio Depes, meu caro confrade, companheiro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL), tempos atrás, descreveu, em livro, várias figuras folclóricas da nossa cidade.


- Foto: Facebook

Cachoeiro sempre apresentou muitas dessas personagens. Pessoas que não fazem diferença para a economia, mas que marcam o cotidiano e o imaginário dos cachoeirenses. Somos marcados por seu comportamento que faz surgir os nossos melhores sentimentos, tais como compaixão, solidariedade, empatia... Isto é, uma alegria não explicada. Uma dessas pessoas era o Agulha. Ocupava dia e noite um espaço sob a ponte que liga a Avenida Francisco Lacerda de Aguiar à Santa Casa de Cachoeiro. Nunca fiquei sabendo o lugar exato de sua moradia, sei que ficava próximo à casa do médico oftalmologista Paulo Ney, um vizinho por quem tinha uma grande estima. Eu caminhava sobre a ponte em direção ao hospital, pela manhã ou durante a tarde, de longe avistava o Agulha. Dava bom dia ou boa tarde e ele respondia com palavras que, na maioria das vezes, eu não entendia. Seus movimentos eram rápidos, frequentemente inquieto e totalmente arredio, apesar de dócil. Respeitava e admirava o Dr. Vicente, Superintendente da Santa Casa na ocasião. Certa vez, tomei conhecimento de um parente do Agulha, um irmão dele estava próximo ao estacionamento do Hospital Evangélico de Cachoeiro (HECI) recusava-se a internação hospitalar apesar do precário estado de saúde, preferia manter-se como morador de rua. Foi convencido, quase uma internação compulsória. Aparentava tristeza nos dias em que permaneceu no leito hospitalar. Dias depois, após a alta do hospital, encontrei-o próximo ao estacionamento do HECI, a alegria retornara. Assim como o irmão, aparentava uma adaptação às ruas da cidade.

No último fim de semana, com o sol já se despedindo do dia, ao sair do Hospital Evangélico, de repente... se apresenta um pássaro, não sei informar o nome, nem lembro as cores, sei que sobrevoou à frente do carro por alguns segundos e logo pousou em um dos fios que ligam os vários postes da nossa cidade. Fios carregados de eletricidade, pelo risco que corria, diminui a velocidade e tentei afastá-lo do perigo. Buzinei timidamente. Nada. Apenas um leve balançar de asas. Agia como vigilante da rua. O carro que me seguia, impacientemente, através de uma buzina, me fez seguir o caminho. O instante, o passarinho em frente ao carro, foi como uma sombra a me seguir e uma poesia se fez: "I have a little shadow that goes in and out with me,/ And what can be the use of him is more than I can see..." Desci o morro dos ferroviários em direção da ponte e o rio Itapemirim. Logo me encontrava no centro da cidade. Em instantes deparei, em frente ao carro, com um homem alto, pele branca, cabelos alvoroçados e seminu. Olhar perdido. Caminhava entre outros carros e motocicletas. Em perigo iminente, tal qual o passarinho. Uma figura conhecida nas ruas de Cachoeiro, bairros e centro da cidade, um personagem diferente das fotocrônicas do Wilson. Pela maneira que caminha pelas ruas da nossa cidade, ele nos leva ao medo. É... Fico com a impressão das nossas figuras folclóricas diminuindo enquanto nossa indiferença aumenta.


Sergio Damião Médico e cronista

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