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Já faz algum tempo que acompanho um perfil em rede social com o nome "mas ele nunca me bateu"


Já faz algum tempo que acompanho um perfil em rede social com o nome "mas ele nunca me bateu". Relatos que são meus, seus e de todas nós. Afinal, aquela que nunca sofreu um relacionamento abusivo em determinado momento da vida que atire a primeira pedra. O seu companheiro pode nunca ter te batido, mas se ele te classifica como gorda ou magra de demais, inútil ou louca, você está em um relacionamento abusivo sim. Não é exagero nem radicalidade. Não estou inventando nem intencionando vitimizar as mulheres. Apenas alertando para que todas e cada uma de nós estejamos de olhos abertos, cabeças erguidas, autoestima elevada e um amor imenso por nós mesmas. O outro nunca é essencial, é complemento. Amor não é submissão, é parceria. Aprenda a identificar e se livrar das armadilhas.

Ele é abusivo se te proíbe usar batom ou esmalte vermelho e cabelo curto ou pintado. Se controla suas roupas e basta não gostar de alguma para te chamar de ridícula ou sem noção. Se a opinião dele prevalece sempre e a sua sequer é ouvida. E se depois de cada grito impondo tudo isso ele te puxa com força pelo braço e tenta te beijar.

Ele é abusivo se nunca participa das tarefas de casa e ainda exige que tudo esteja impecável. Se te coloca como a única responsável por todas os afazeres e te humilha quando, aos olhos dele, alguma coisa não está bem feita. Incapaz de fazer um elogio ou te valorizar, ele só fala que não entende porque você está sempre cansada e pergunta o que faz com tanto tempo que passa à toa.

Ele é abusivo se faz chantagem emocional e se tudo é motivo para ameaçar ir embora. Se reclama de dinheiro, te obriga a pagar sozinha as contas que deveriam ser dos dois mas, na hora de sair com os amigos, ele esbanja e paga tudo sozinho. Se ele fica dias sem falar com você porque te viu conversando com alguém que ele desaprova sem nenhuma base ou se você simplesmente não está a fim naquele dia. E só volta quando você implora pelas migalhas que ele te dá.

Ele é abusivo se impede seu contato com suas amigas e só consente que você caminhe ou frequente uma academia se ele estiver junto. Se ele joga qualquer coisa do seu passado na sua cara e te classifica com palavras ofensivas como se ele estivesse acima do bem e do mau. Se para chorar você precisa se trancar no banheiro, ligar o chuveiro e fingir que tá tomando banho, porque ele não gosta que você chore, te chamando de fraca ou falando que seu choro é por algum motivo que você não quer contar porque, com certeza, anda fazendo coisa errada.

Ele é abusivo se te trai e justifica colocando toda a culpa em você até te fazer sentir a pior pessoa do mundo. Se você descobre qualquer indício de romance dele com outra no celular e ele alega que "é só virtual". Se no final das contas nenhuma das suas amigas presta por terem comportamento inadequado ou tendem a te afastar até da sua própria família. Se te deixa constrangida em público ou se espalha aos quatro ventos o quanto você é barraqueira, desequilibrada e encrenqueira. Se te obriga a trabalhar onde você não quer ou a deixar de trabalhar e ficar em casa como compete a uma mulher direita. Se controla os seus gastos centavo a centavo e você passa a ter que dar satisfação até de uma bala, um refrigerante ou um absorvente.

Ele é abusivo se tudo é na base do berro, do sobressalto, da intimidação e do controle. Se você vive inventando desculpas para o comportamento doentio dele e acha que só pode ser feliz com ele, mas nem se lembra mais do som do seu riso, acabou. Não é fácil, mas é possível recomeçar sozinha. Impossível é continuar esperando uma mudança de quem te mata todos os dias. A grama da vizinha só é mais verde porque ela teve coragem de encarar a verdade.


Paula Garruth Colunista

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