A violência por mais que seja comum, é sempre novidade - Jornal Fato
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A violência por mais que seja comum, é sempre novidade


 

Há uma crença disseminada de que o Brasil, que o estado, que a cidade, se tornaram mais violentos de uns tempos para cá, de que a situação está ficando insuportável, de que isso, de que aquilo. O que a história e os dados nos mostram é que se houve um significativo aumento "quantitativo"? dessa violência, as condições nas quais ela se dá existem faz muito tempo.

Dizer da violência como novidade em um país onde a tortura e a crueldade para com os escravos e pobres em geral sempre foi uma marca registrada é, de fato, guiar-se apenas pelas manchetes do dia.

Um fator a se apontar no pouco que há de novo nesse fenômeno amplo e subjetivo denominado "violência"?, principalmente no que diz respeito às mortes por assassinato, é a evolução, a disseminação e a facilitação do acesso às armas de fogo.

Ã? de se esperar que boa parte das brigas em bares, conflitos domésticos, entre vizinhos e mesmo entre amigos, que 100 anos atrás terminavam em hematomas ou alguns cortes de navalha, hoje terminem em cadáveres perfurados a bala. Não raro, me deparo em meu trabalho no Laboratório de Pesquisas Históricas e Sociais Aplicadas do Centro Universitário São Camilo "" ES com um processo judicial antigo tratando de um amigo que rachou o crânio do companheiro com uma enxada depois de umas e outras a mais. Estatisticamente, as mortes aconteciam, mas eram mais raras.

O mesmo vale para os assaltos, para as defesas de "territórios"? nos quais se negociam mercadorias ilegais. Sim. Disputas por "pontos"? também não são novidade. Mudou o produto, mas as estratégias não são novas.

As guerras contra inimigos internos e externos promoveram o desenvolvimento tecnológico e a produção em massa de armamentos. Como qualquer produto, esse precisa ser vendido, precisa ser comercializado, precisa circular para que o proprietário da indústria que o produz possa lucrar. Armas para guerras e guerras para as armas.

Não raro foi observado por pesquisadores no Rio de Janeiro e em outros lugares que em algumas épocas os maiores fornecedores de armas para os criminosos eram os policiais corruptos. Hoje, sem dúvida, independentes da policia para buscar seus próprios meios de se abastecer de armas, rotas de importação de armas e comercialização no varejo se tornaram extremamente comuns em todo Brasil, transitando pelas fronteiras mal vigiadas do país e nos mercados ilegais das grandes e médias cidades. Atualmente, comprar uma pistola 765 não é um desafio dos mais complexos se você tiver acesso a certas redes de contato.

No fim das contas, assaltos, conflitos familiares, brigas de bar, disputa por pontos de comércio ilegal (seja produto pirata, droga, jogo do bicho, etc) existem há muito tempo e nada me sugere que deixarão de existir no horizonte próximo.

Um fator que pode reduzir sobremaneira a "violência"? no município (naturalmente sem resolvê-la definitivamente) é a ação preventiva da polícia retirando armamentos de circulação, identificando as rotas pelas quais as armas chegam e sua circulação dentro da cidade. Sem armas, os conflitos continuarão existindo, mas sua letalidade será muito menor.

Venho observando a ação da Polícia Militar por meio dos boletins que recebo periodicamente com as apreensões, prisões e outras informações. E me chama a atenção a quantidade, a variedade e, em alguns casos, o grosso calibre de algumas das armas de fogo apreendidas. Calculando que as apreensões representem uma parcela do que circula pela cidade, há de se realmente temer, pois alguém com uma arma, mesmo que não planeje usá-la, em caso de necessidade pode mudar de idéia.

Dentre várias ações que podem ser empreendidas para a redução da "violência"? (sempre entre aspas), penso que investir significativamente em retirar as armas de circulação é uma opção que trará bons resultados.

As outras opções?

Séculos de violência não são como as letras negras dos jornais.

 

Prof. Marco Aurélio Borges

Doutorando em Ciências Humanas "" Sociologia da UFRJ; Coordenador do grupo de pesquisas em Instituições, Violência e Cidadania no Laboratório de Pesquisas Históricas e Sociais Aplicadas do Centro Universitário São Camilo "" ES.

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