Quantas gerações mais? - Jornal Fato
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Quantas gerações mais?

As chuvas fortes do último mês reforçaram o sofrimento dos moradores e dos empresários


Cresci no bairro Nova Brasília. Quando criança, talvez porque eu morava no segundo andar, achava o máximo quando chovia e as ruas ficavam alagadas. Não era maldade, mas, de fato, não compreendia, na época, a gravidade da situação.

Lembro-me de ficar olhando pela janela, quando, os mesmos vizinhos, homens e mulheres de coragem e de dignidade, enfrentavam as águas para, com as próprias mãos, tentarem liberar os lixos dos bueiros.

Fui crescendo e, além de tristeza pelas inundações, senti indignação. Também percebi que as casas foram se adaptando. Hoje, quando o tempo "vira" são postas madeiras nas entradas com fim de tentar, por vezes em vão, improvisar um muro que amenize os danos das águas das chuvas dentro das residências e dos comércios locais.

Vi que alguns moradores, no portão de entrada de suas casas, construíram escadas em áreas totalmente planas. Assim, elas não têm o fim usual, mas almejam tão somente criar uma barreira mais sólida para tentar impedir a entrada das águas quando as ruas ficam cheias.

Há anos mudei-me de bairro, mas, no mesmo local, permanecem amigos, parentes e desconhecidos, todos cidadãos que, de geração em geração, enfrentam o mesmo drama sem expectativa de fim.

Bisnetos e trinetos dos outrora moradores enfrentam a mesma dificuldade dos antepassados. Conheci muitos habitantes que partiram desta vida na esperança de melhora, mas não a puderam ver.

Sempre que chove, os noticiários e as redes sociais revelam a indignação da sociedade, mas, depois da estiagem, esta é esquecida. Todos os prefeitos, que um dia assumiram o executivo municipal, já estiveram no bairro para analisar a situação, para demonstrar compaixão e para fazer juramentos, mas, nunca, nada mudou.

Quantos dramas experimentados? Quantos moradores, já tão carentes pela ausência de contraprestação estatual, por incontáveis vezes, perderam tudo e tiveram que recomeçar sozinhos? Quantos prefeitos já assumiram a gestão municipal cheios de promessas, mas construíram apenas vãs ilusões?

As chuvas fortes do último mês reforçaram o sofrimento dos moradores e dos empresários que, nas últimas semanas, por cerca de três vezes, tiveram suas casas e comércios inundados.

Se não bastasse, como na minha infância e juventude presenciei, vez e outra, surge um motorista que, diante da tragédia já instaurada, acelera seu carro e ignora que, numa rua alagada, para conquistar seu espaço de circulação, um veículo que força passagem gera uma onda que arrasta para as laterais o que está pela frente.

Em uma das chuvas das últimas semanas, esta cena se repetiu e, por causa de um motorista, comércios, que tinham conseguido elevar seus produtos, perderam tudo. Pessoas que estavam em um bar foram lançadas ao chão pela força da onda produzida. Assim, o motorista concluiu o dano que o descaso e a omissão pública deram início.

Apesar de tudo isto, passadas décadas, ninguém busca resolver o problema. Não sei qual é a dificuldade, ainda menos conheço a justificativa para, até hoje, tão extensa omissão pública. Não posso explicar o porquê de prefeito algum ter assumido para si o problema que causa dor, perdas e sofrimentos ao povo do bairro Nova Brasília - e de tantos outros bairros de Cachoeiro.

É uma pena que, entra prefeito e sai prefeito, alguns se reelegem e postergam seu (des)legado, mas o último sempre espera que o próximo faça alguma coisa, porém nenhum faz. E, se ninguém faz nada, a situação nunca muda ou mudará.

Enquanto isto, o povo, vítima de tão grave descaso atemporal, continua esperando que, um dia, um gestor municipal saia de seu gabinete e resolva o problema de modo que possam afirmar: inundações nunca mais! Visitas e promessas já não resolvem ou convencem, portanto, sequer são bem vindas.


Katiuscia Marins Colunista/Jornal Fato Advogada e professora

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