Apesar de avanços, mulheres convivem com violência - Jornal Fato
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Apesar de avanços, mulheres convivem com violência

Lei do feminicídio completa seis anos e mulheres ainda vivem o ciclo da violência doméstica


Foto: Freepik

Na luta por igualdade e valorização, as mulheres conquistaram uma data de abrangência mundial - o Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março. Do direito ao voto à presidência da República, um longo caminho de pequenas e grandes vitórias foi percorrido. Porém, na esfera da intimidade, o passado de opressão ainda não foi vencido. 

Mesmo com a instituição da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar, as mulheres continuam sendo vítimas de agressões de seus companheiros em uma escala que vai da ofensa à morte, essa última categorizada como feminicídio pela Lei 13.104/2015. 

"O fato de se dar nome ao crime fez a sociedade enxergar a extensão do problema, evidenciando a necessidade de transformação social", ressalta a psicóloga Adriana Müller. 

Efeitos da pandemia

Segundo estatísticas da área de segurança pública do Estado, 26 mulheres foram assassinadas em 2020 por maridos, namorados ou ex- companheiros, o equivalente a uma média de 2 mortes por mês por feminicídio. Foram presos 1.989 suspeitos de praticarem atos de violência contra mulher e solicitadas 8.030 medidas protetivas. 

A pandemia do novo coronavírus teve impacto sobre essa realidade, segundo a coordenadora estadual de enfrentamento à violência doméstica e familiar do Tribunal da Justiça do Espírito Santo (TJ-ES), Hermínia Azoury. 



"Com advento da pandemia da Covid-19, as vítimas passaram a conviver mais tempo com seus agressores, em razão do isolamento, e, numa relação inversamente proporcional, aumentaram as chances de serem violentadas dentro do lar e tiveram reduzidas as chances de denunciar, uma vez que estavam de contínuo sob a égide dos agressores", explica. 

Segundo a magistrada, a violência doméstica está presente em todas as classes sociais e os agressores não têm um perfil definido, "são homens comuns da sociedade, com bom convívio social, mas que, no interior da casa, destratam suas companheiras, agindo com covardia", afirma.

Crimes em 2021

De 1º a 28 de fevereiro deste ano, cinco mulheres foram mortas, sendo quatro casos enquadrados como feminicídio. No mesmo período em 2020, houve 18 assassinatos de mulheres e, desses, cinco foram definidos como feminicídio. Os dados são da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp). Só nos 10 primeiros dias de fevereiro, foram 1.796 registros de atos de violência contra 1.874 casos notificados no mesmo período do ano passado.

"Isso é resultado do trabalho de diversos órgãos, instituições, de diferentes instâncias de poder, entre eles a Procuradoria da Mulher, cujo esforço, somado às políticas públicas de enfrentamento à violência e proteção dos direitos da mulher, tem dado visibilidade às ocorrências, contribuindo para a diminuição de casos. Esse trabalho deve ser permanente. No entanto, em minha opinião, qualquer número está além do tolerável", destaca a deputada Janete de Sá (PMN), titular da Procuradoria da Mulher da Assembleia Legislativa. 

Ciclo da violência

Mesmo diante de um cenário familiar tão desfavorável, grande parte das vítimas resiste em romper seus relacionamentos, alimentando, assim, o chamado "ciclo da violência doméstica", identificado pela psicóloga norte-americana Lenore Walker. 



Dependência econômica

"São vários os fatores que fazem a mulher permanecer ou voltar para o agressor; a dependência econômica é um dos mais comuns. Mulheres sem profissão e sem rede de apoio familiar tendem a suportar a violência em razão do próprio sustento e dos seus filhos. Outro fator é a dependência afetiva e redução da autoestima", aponta Hermínia Azoury. 

A coordenadora do Núcleo de Enfrentamento às Violências de Gênero em Defesa dos Direitos das Mulheres (Nevid) do Ministério Público Estadual (MP-ES), Cristiane Esteves Soares, acrescenta, ainda, que é comum a mulher não perceber a escala de violência aumentando no relacionamento, o que dificulta o rompimento do ciclo, "visto que um dos primeiros e mais recorrentes tipos de violência que sofrem é a psicológica".

Cultura machista

A juíza Hermínia Azoury relata que já ouviu as mais diversas "justificativas" de homens que agrediram suas companheiras, como o jantar não preparado, casa não arrumada, entre outras. Ela acredita que a violência dos homens em relação às suas companheiras se resume a um sentimento equivocado: a supremacia do poder que o homem acha que tem sobre a mulher. 

"Esse sentimento foi construído ao longo da história, à luz do sistema patriarcal de dominação, sendo reforçado pelos papéis sociais estereotipados para homens e mulheres, traduzidos na subserviência destas e domínio daqueles".

Adriana Müller também aponta o machismo presente no sentimento de superioridade masculina como razão para atos de violência doméstica, na qual a mulher é vista como um objeto, sendo desqualificada como pessoa e culpada de toda e qualquer ação contra ela.

"Por isso insisto na questão da importância de as pessoas passarem a ter vergonha de suas atitudes machistas - aí sim estaremos no caminho de uma real mudança social baseada em princípios éticos tais como respeito, justiça e responsabilidade social", pondera a psicóloga. 



As estratégias de enfrentamento à violência doméstica adotadas pelas instituições públicas passam justamente pela desconstrução da cultura machista, com ações voltadas para a conscientização dos agressores, como inserção em grupos de reflexão sobre o tema, e empoderamento das vítimas, com oferta de serviços de apoio emocional, informações sobre direitos previstos em lei e capacitação profissional para garantia da independência econômica. 

Cristiane Soares reforça que, mesmo fragilizada, a vítima tem como buscar auxílio profissional para sair da situação de violência, especialmente, acionando os serviços da rede pública de atendimento, como os centros de referência de assistência social (Creas), unidades básicas de saúde, delegacias especializadas, dentre outros equipamentos. 

Leis e projetos 

Além do trabalho à frente da Procuradoria da Mulher, a deputada Janete de Sá é autora de projetos que viraram lei nos últimos dois anos. Duas delas (Leis 11.204/2020 e 11.079/2019) instituem, respectivamente, períodos de discussão sobre a temática da violência de gênero, como o "Agosto Lilás", mês de conscientização pelo fim da violência contra a mulher no Espírito Santo, e a Semana Estadual de Prevenção e Combate ao Feminicídio.

Outra lei da deputada (Lei 11.147/2019) torna obrigatória a notificação compulsória de casos de violência em todos os serviços de saúde e em instituições de ensino e de assistência social, de caráter público, privado ou filantrópico, em todo o território capixaba.

"Conseguimos transformar em lei também o projeto que proíbe a utilização de recursos públicos para contratação de profissionais e espetáculos que desvalorizem ou exponham mulheres a situação de constrangimento, incitem a violência ou contenham manifestações de homofobia ou discriminação racial", lembra a parlamentar, numa referência à Lei 11.046/2019. 

De autoria de Janete, tramita na Casa o Projeto de Lei (PL) 339/2019, que garante à mulher vítima de agressão física devido ao gênero prioridade na oferta de cirurgia plástica reparadora, no âmbito dos serviços públicos de saúde do Estado.

Autora de três projetos (PLs 287/2019, 819/2019 e 113/2020) em tramitação na Assembleia que versam sobre violência contra a mulher, a deputada Raquel Lessa (Pros) comemora as conquistas femininas ao longo do tempo.

"Vimos, nos últimos anos, uma maior mobilização e divulgação desses dados, seja por meio de campanhas ou lutas de movimentos feministas, para que os casos de violência sejam denunciados", afirma Raquel. 

Além de políticas públicas adequadas, a deputada Iriny Lopes (PT) defende também o cumprimento efetivo da legislação. "A Lei Maria da Penha é considerada uma das três melhores do mundo nessa área. Muitas alterações foram feitas. Algumas benéficas, mas outras que vulnerabilizam a legislação. De toda forma, mais do que leis, precisamos que elas sejam cumpridas por todas as instituições responsáveis pela aplicação", destaca Iriny.

Onde denunciar

Polícia Civil
190 - na iminência, durante ou logo após uma agressão
180/181 - denúncia anônima
Site: https://pc.es.gov.br/delegacia-on-line - boletim on line 

Defensoria Pública
Whatsapp: 27 99837 4549 
site: www.defensoria.es.def.br 

Delegacia de plantão da mulher (24h)
Serra - 27 99836 2909
Vila Velha - 27 99873 6346
Vitória - 27 99520 1927

Procuradoria da Mulher (Assembleia Legislativa)
Telefone: 27 3182-2246
E-mail: [email protected]

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