Sino Relógio - Jornal Fato
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Sino Relógio


O badalo dos sinos traz à memória a infância, permeada por igrejinhas em pequenas cidades nos grotões da Bahia, onde morávamos por causa do trabalho do meu pai.

 

Mudávamos com frequência. Em algumas fases, chega a ser difícil recordar o nome dos coleguinhas e nem dá para usar a expressão "amigos de infância".

 

Brasília, sempre o ponto de partida e de chegada. Mas era no interior que os sinos eram portadores de boas e más notícias.

 

Ficava impressionada com a mobilização que a comunicação sem palavras causava nas pessoas de todas as idades. Pelo número de badalos as pessoas já sabiam do que se tratava.

 

Já maior, com uns oito anos, em Cachoeiro, mudamos para a Pedreira, um vilarejo às margens do Rio Itapemirim, próximo ao Patronato Monte Líbano, onde morava grande parte dos trabalhadores da Fábrica de Cimento Nassau(ou Barbará, como era chamada). Era o caso do meu pai.

 

O vilarejo era minúsculo, mas lá estava a igrejinha imponente, com seu sino e badalos (para mim) solenes. Na igrejinha a comunidade se reunia para casamentos, quermesses, velórios, crismas e outras celebrações.

 

Pois bem, numa ocasião morreu um cidadão da comunidade, todos reunidos em solidariedade à família, apontando todas as virtudes do falecido (que talvez nem ele soubesse que possuía, já que nunca fora tão elogiado).

 

De repente, orações e sussurros respeitosos são interrompidos bruscamente pelo badalo do sino, fora de compasso, desvairado, nervoso. Os mais supersticiosos atribuíram o barulho a alguma alma penada sem rumo. Ainda mais que a igreja ficava próxima a uma árvore considerada mal assombrada há décadas, o "pé de boleba preta".

 

Olhares assustados, buscando um corajoso que fosse à torre da igreja. Até que alguém, pálido de medo, mas impelido por todos, aceitou o desafio e foi verificar o que provocara o fantasmagórico som.

 

Na volta, a expressão vitoriosa do caçador de fantasmas, arrastando um menino, de uns 10 anos, assustadíssimo. Era o meu irmão. De moreno, estava pálido. Certamente cansado do velório, resolveu aventurar-se na torre da igreja.

 

Viu a corda e puxou, quando o sino o surpreendeu e provocou toda a confusão. Pela palidez, o susto foi grande para ele também. Tão logo foi liberado pelo caçador de fantasmas, foi para casa dormir, cobrindo-se com um cobertor,

em plena noite de verão.

 

O tempo passou, mas o badalo do sino traz lembranças mil. Hoje, o sino da igrejinha perto de casa toca religiosamente às 6h, 12 e 18 horas, irritando os que moram mais perto e querem dormir um pouco mais.

 

Missão certamente cumprida com satisfação por alguém que também teve a infância marcada pela comunicação solene e sem palavras do sino de uma igrejinha perdida em algum lugar do passado.


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