A construção da tolerância - Jornal Fato
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A construção da tolerância


O que te dá prazer? O que te traz paz? O que, realmente, te faz feliz? O que gosta de pensar e dizer? Tantas questões se fazem presentes neste mundo pós-moderno. Nunca se foi tão importante ou "obrigatório" ser feliz, ter paz de espírito, ter qualidade de vida, agir sobre respaldos em formas. Como assim?

 

Em mundo tão encrencado como esse? Em um cenário que fomenta tantas segregações, de misoginias, preconceitos, intolerâncias e desafetos. Será que isto é só de agora? Será que tais dilemas só vieram a nós nestes tempos? Claro que não. É que temos uma lupa menos empoeirada. A janela está mais limpa. As ideias mais discutidas e ampliadas.

 

Questionamos tudo. O que nos incomoda, o que diz respeito ao outro, o que considerei certo ou errado. Ativamos o botão da indagação e ai salve-se quem puder. Não que revelar o obscuro ou o intragável não seja legítimo ou verossímil, mas até que ponto não temos lançado pontas de faca ou fagulhas ou fogaréus desnecessariamente.

 

Tudo que eu sentencio como minhas referências e meus paradigmas podem não serem aceitos pelo outro? Até que ponto o outro não pode ser constituído por negligenciar e abraçar outras tantas coisas? O outro é semelhante e tão inconstante a mim, o outro é minha parte, mas é fragmento de tantas vivências. E, portanto, suas ideias e discurso diferem, verdadeiramente, ao que eu penso.

 

E como desfrutar de dias plenos e afeitos às alegrias e ao respeito? Como bordar minhas esperanças sem desconsiderar que o outro as costura de outra forma? São questões que se aproximam de mim. Tudo é viável e permitido, porém, tudo é combatido e tão refutado. Somos felizes, tudo bem. Deixemos que o outro cruze suas linhas de chegada também. Oportunizemos que alcance a sua outra margem do rio.

 

Claro, decididamente, não invadamos a plantação alheia, ao menos que nos peça ajuda no plantio. Deixemos que o outro acredite no que o faça mais humano, mais sensível e crítico. Não somos detentores de verdades em larga escala ou o propagado por nós verídico de todos os lados. Somos homens em processo de aprendizagem.

 

Não quero levantar bandeira aqui, até porque existem muitas com as quais comungo e acho lindas, e tenho plena certeza que muitos não concordariam com elas. Graças a Deus somos plurais e singulares. Agradeço pelas experiências de vida da convivência, das diferenças que preciso aceitar, mesmo que eu as tenha que "engolir."

 

A alegria é um mundo particular, como a crença e a liberdade. Todavia, o massacre ao outro é reprimível, visto que o que sou não pode ser elemento de xingamentos, pedras, espinhos e cicatrizes. Sou o oposto e oportuno a tantas gentes, a tantas coisas.

 

Quer ser feliz com seu vestido que dizem ser fora de moda, que seja. Posso o achar "horrendo", mas este é seu direito, sua forma exclusiva de se enfeitar. Posso detestar seu gosto musical ou sua visão política, e isto me cabe fazer, só não posso denegrir suas percepções por isso. Isso sim seria intolerável.

 

Gargalhemos a nosso modo, inventemos tardes de flores, carreguemos nossa melhor forma de poesia, leiamos os autores que nos fazem sermos melhores do que já somos, tenhamos nossas concepções políticas e ideológicas e que nos façam bem e melhorem meu diálogo com o próximo.

 

Sejamos felizes sem os sermões punitivos e de obrigações desnecessárias, sejamos humanos com o coração em paz sem ideias controladas. Sejamos contemporâneos de dias mais sensatos, felizes e repletos de humanidades. Dias que desejo para mim e para você.

 

Simone Lacerda é professora.

cheirosensaiosepoesia.blogspot.com.br

 

 

 


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