Homens e anjos - Jornal Fato
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Homens e anjos


Há alguns anos, lendo o livro de Tim LaHaye sobre temperamentos, descobri que sou uma pessoa sanguínea. E capaz de emocionar-me facilmente, como de envolver-me com os sentimentos alheios, o que me faz sorrir e chorar com e pelo outro. Após a introdução, para quem não me conhece, passo a narrativa.

 

Recebemos, como hóspede na Vila Aconchego, uma senhora de cento e dois anos que requer cuidados especiais, e a família demonstra por ela um amor e carinho enormes. É alegre, comunicativa e possui muita vontade de viver, o que é comprovado pela satisfação que sente em se alimentar. Tudo que se lhe oferece ela gosta e come com prazer. É italiana e já acorda pedindo polenta, e seus pedidos são atendidos na medida do possível. Com poucos dias conosco já nos cativou, comunica-se com todos e lhe agrada a convivência fraterna. Certo dia, ao servir o seu lanche da tarde, perguntei-lhe: - A senhora gosta de bolo? - Sim. De pão com manteiga? - Sim, gosto. - E de pão com queijo? - Gosto. E de café? - Sim. E de café com leite? - Gosto. Aí resolvi brincar com ela, e perguntei se gostava de arroz, feijão, macarrão, jiló, angu, para tudo recebi uma resposta positiva. E fiquei pensando nas incoerências da vida - ela com tanta idade e tanta vontade de viver, enquanto jovens tiram a própria vida, às vezes, por motivos até fúteis. E servi seu lanche - dois pedaços de bolo e uma caneca de leite com café. Fiquei ao lado admirando sua disposição em se alimentar, fui limpando os farelos que caíam na roupa, e ela me olhando. Até que pegou um pedaço do seu bolo e me ofereceu - Toma, come, está muito bom! Não consegui, chorei sensibilizada, lembrei-me da minha mãe que tirava de si para dar aos filhos, do coração de todas as mães do mundo, e dos que dividem o que tem pelo prazer de partilhar.

 

O simples gesto da partilha, tão emocionante, é o que move tantas pessoas a saírem à noite, no frio, a oferecer o calor de um cobertor ou um prato de sopa aos que moram nas ruas, a se disporem a visitar os doentes nos hospitais, a doar carinho e conforto a quem precisa, e a dividir o que possuem - tempo ou bens materiais. São esses gestos fraternos que nos tornam mais humanos e irmãos. E são esses gestos que transformam homens em anjos.

 

 


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