Desespero - Jornal Fato
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Desespero


Acontece que desde que você foi embora todos os carros que passam na minha rua são o seu carro: mesmo modelo, cor e placa. Quase invado as janelas e quebro as portas jurando que vi uma mulher sentado ao seu lado, que te vi sorrindo, que suas mão tocavam as mãos dela. Esse pensamento me sufoca, me dói, cresce e quero matar. Matar essa mulher que nem sei se existe, mas que te levou de mim. Te matar um pouquinho só para depois te ver renascer só meu. Morrer, talvez, para minha cabeça parar um pouco de pensar tão só e apenas obsessivamente em você.

 

Ando colecionando garrafas de vinho. Vazias. Não, não ando catando lixo. Ando bebendo mesmo. Enchendo a cara. Uma garrafa por dia sem você. No início era um dia a menos, eu pensava. Um dia a menos: daqui a pouco ele volta. Um dia a menos: o telefone vai tocar. Um dia a menos: ele não vai suportar a vida sem mim. Agora há tantas garrafas e rolhas espalhadas pelos sofás, mesas e cantos que todo dia passou a ser um dia a mais. Um dia a mais de trabalho por fazer, de contas a pagar, de refeições não feitas, de unhas quebradas, de poeira acumulada, de alucinações que ganham vida. Um dia a mais sem você, um dia a mais sem a sombra de quem eu fui. Aquela outra de riso fácil anda acorrentada por aí. Experimenta olhar debaixo da sua cama, dentro do seu armário, no forno. Acha ela para mim. E quando achar toma de novo: respira boca a boca de língua até que ela reaja e te enlace com as coxas.

 

Meu fio de vida está no celular: você pode mandar um sinal tecnológico e eu preciso estar pronta. A bateria não pode acabar. O sinal não pode ser interrompido. Eu mato todos os acionistas dessa operadora de merda se falhar alguma coisa. Serão julgados e condenados por homicídio mantendo você longe de mim. Prisão perpétua. Pena de morte. Se eu não posso viver ninguém mais vive.

 

Te amo ainda quase o tempo todo, e só te odeio quando canso demais desse amor todo. Mas amar cansa só rapidinho. Depois volta tudo. Mais uma taça. Mais uma busca porque vai que você ligou e eu não ouvi. Outro amigo que tenta falar e dispenso. O telefone é todo seu, e só uso para pedir a pizza que nunca como e mais vinho. Bem rápido para não dar sinal de ocupado.

 

Juro que vai ser a última mensagem. Escrevo: "volta". E caio de novo em sono leve, embalada por seu silêncio.

 

 

 


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