Em um mês consegui fazer tudo o que queria fazer durante os últimos anos. Terminei as leituras atrasadas, ouvi os discos antigos, almocei com a minha mãe, assisti ao filme que adoro mais umas três vezes e até passei um dia inteirinho na praia. Saí com minhas amigas, dancei, dormi com roupas surradas, varei noites pensando e dias dormindo. Ninguém que me fizesse frear ou acelerar meus movimentos, o automóvel ou as histórias que sei ou invento.

 

A casa, como que por encanto, manteve-se arrumada. Nada de comida destampada na geladeira nem garrafas ou caixas de leite vazias. Nada de lixo acumulado, louça para lavar depois ou luzes acesas desnecessariamente. O controle da TV estava sempre no mesmo lugar, o lençol da cama esticado e a tampa do vaso abaixada. Tudo na mais perfeita ordem. A organização que eu tão inocentemente desejei.

 

Uma refeição é tão somente uma refeição, sem o barulho de tampas e litros de detergente utilizados em pratos mal lavados. Mas descobri que uma refeição sem seu riso sustenta somente um corpo habitado pela alma vazia dos seus sons. Não há nada que preencha suas curiosidades na cozinha, o abraço fora de hora na beirada do fogão, a insistência em enfiar a mão na panela quente, o beijo de agradecimento pelo alimento.

 

Não há vida na estante sem seus livros espalhados aleatoriamente por ali. Não há carinho no sofá sem as migalhas e os restos de comida. Não há tesão no tapete sem pontas dobradas e rugas.

 

O meu equilíbrio não está nos vidros limpos ou na harmonia das almofadas da sala. É na sua capacidade de deixar tudo de pernas para o ar que eu quero morar. No café que entorna, no vidro de biscoito aberto e no chuveiro queimado há dias que eu encontro a paz que tanto busquei.

 

Volta. Não era tão difícil empurrar as toalhas de banho molhadas, as meias sem par e os montes de papéis para fora da cama. Eu te ajudo a desarrumar enquanto você fecha as cortinas. A gente se ajeita na bagunça confortável desse negócio chamado amor.