Coragem - Jornal Fato
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Coragem


Desde que nascemos, é coragem que a vida nos cobra. Não é fácil sair do aconchego do útero materno, onde tudo é descanso, alimento e amor, e encarar o mundo com todos os barulhos e tormentos a que temos direito e também aos que não temos, mas acabamos tomando emprestado. Choramos porque, logo no primeiro momento, vem a brisa e diz: coragem! Então a gente pensa: será que consigo?

 

Consegue sim, mesmo porque daí para frente não tem outro jeito. Precisamos da coragem para cair até que seja perfeito o equilíbrio do primeiro passo. E para provar alimentos, ir para a escola, participar de peças de teatro, cantar no dia das mães, dançar quadrilha, confessar o primeiro amor, confundir-se no primeiro beijo, encarar o primeiro fora, mudar de escola, de amigos, de cidade, de emprego, de vontade, de parceiro, de gosto e por aí vai longa lista de batalhas travadas e quase sempre vencidas por cada um de nós, bravos guerreiros.

 

Ter coragem para isso tudo é quase, eu disse quase, automático. Vamos fazendo e no final de cada dia nem sequer sabemos como chegamos incólumes até ali. O problema é que existem as peculiaridades. Ser corajoso nos detalhes, no que acomoda, no que esfria, aborrece e tira a paz. Ser corajoso para sair do trabalho que paga bem mas oprime e tentar a vida com menos dinheiro, mas também com menos carga. Ser corajoso para sair da relação doente, seja ela casamento, diversão, namoro ou amizade. Ser corajoso para comprar uma passagem só de ida para o lugar dos sonhos, para assumir sua sexualidade sem culpas ou amarras, para começar uma faculdade depois dos quarenta ou ser mãe quando os cinquenta já batem a porta. A felicidade, geralmente, não mora junto com a inércia. É preciso coragem para ser feliz.

 

Para provar um prato inusitado, encher a cara de tequila, saltar de paraquedas, investir dinheiro, comprar um imóvel, amar de novo ou tomar banho gelado. Não há escapatória. Coragem, coragem e coragem. Adotar uma criança, andar de avião, assumir um erro, pedir desculpas, dirigir, andar de bicicleta, escalar o Everest ou o Itabira. Fazer tudo de novo. Recomeçar do zero. Pisar no palco. Falar no microfone. Tirar sangue. Matar barata. E não é que esse negócio de viver é brincadeira cada vez mais difícil?

 

Então é seguir. Aceitando os desafios de cada dia, fazendo escolhas e assumindo os riscos. Quase nunca vai ser fácil, e até para escolher o caminho é preciso ser forte e corajoso. Quando não conseguir ser, ao menos finja que é. A recompensa de fazer o que tem que ser feito é a paz de espírito sem fim, a consciência do dever cumprido e a alegria dos olhos brilhando e dos sorrisos bobos. Frio na barriga não é para os covardes. Coitados. Não sabem o que estão perdendo.


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