Iê, é hora, é hora, camará - Jornal Fato
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Iê, é hora, é hora, camará

Quem me navega não é o mar, e sim a crônica.


- Foto: Reprodução/Web

Igual ao timoneiro, não sou eu quem me navega. Diferentemente dele, entretanto, quem me navega não é o mar, e sim a crônica. Que até me sobrevoa, a depender da manhã.  

Anteontem, visitei pela primeira vez a repartição onde trabalha uma gestora - e amiga - por quem tenho profundo respeito. Conversávamos, ela e eu, quando fomos surpreendidos por dois passarinhos, que entraram na sala, pela janela à esquerda, deram um rasante sobre nossos pensamentos e logo saíram, sem se despedir, pela janela à direita.    

"Isso nunca aconteceu antes", disse, maravilhada, a secretária da gestora, que também estava no local. Sua chefe confirmou, acrescentando que o ocorrido fora um sinal de bons ventos.  

Entre consentir ou discordar, preferi especular que deve ter alguma relação com o fato de bem-te-vis andarem me acompanhando, nas últimas semanas. Pensando agora, contudo, quem sabe os dois passarinhos sejam o par de fitas de pipa que, desamarradas da rabiola, enfim poderão viver em "valor de liberdade", conforme reza, em sua cantiga, Pai Bento de Guiné?  

Vai ver a amiga tem razão.

 

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Amigo nosso em comum - que de comum não tem absolutamente nada, não é verdade, companheiro? - veio ao meu serviço, tarde dessas, decidido a cumprir uma missão, cá entre nós, muy fofa: sugerir que eu passe a informar, entre parênteses, o significado das palavras do nosso dicionário de pemba (cazuá, patuá, saravá...), que costumo escrever em minhas crônicas.  

Lhe agradeci, nessa gentil e subversiva próclise que me coube. Mas vacilei. Eu poderia tê-lo obscurecido - o que faço aqui, ao modo Zeca de explicar ao Jô Soares a diferença entre o samba e o pagode - que elucidar esses termos talvez seja como fazer um poema com notas de rodapé entre seus versos. É que, em ambos os casos, a literatura não permite a instalação de quebra-ventos.

 

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O malandro-menino observa a borboleta sobre a flor e, "viajando em palito de picolé", pergunta a si mesmo se algum poeta, um dia, já ousou afirmar que borboletas são uma espécie de flores voadoras, criadas pela Mãe Natureza - Deus, afinal, é mulher - por puro capricho.  

Indo além neste exercício de conceituação abstrata, questiona se ela as teria concebido com o anseio de alegrar seus rebentos, esses ingratos!, com o bailar (o borboletar, ora) das flores voadoras, que fazem do vento o palco de espetáculos que nos são presenteados, intimamente, numa manhã ensolarada qualquer, dessas que, de um jeito bobo, renovam nossa fé no porvir.  

Bom, se algum poeta, até o momento, nada afirmou a respeito disso, o malandro-menino agora o faz, assumindo sua coautoria (ainda que medíocre) junto à Mãe Natureza.

 

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Mea-culpa inteira, "sopapo na cara do fraco", admito que sou vagabundo. Vadeio com as palavras, meu parceiro, porque o bagulho é à vera. Não é a primeira vez que lanço à mesa este ás. Aprendi com meu mestre, homem da rua, sob o clarão da lua, a guardar o trunfo derradeiro para, no momento certo, ganhar o jogo. Iê, é hora, é hora, camará. 


Felipe Bezerra Jornalista Escritor, jornalista e membro da Academia Cachoeirense de Letras

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