Uma vista encantadora - Jornal Fato
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Uma vista encantadora

Morei, infância e adolescência, em uma casa


Foto: Ronaldo Santos

Morei, infância e adolescência, em uma casa. Construída aos poucos, andar por andar, até atingir o terraço. Ficava no alto do morro. Uma longa escadaria se apresentava ao redor de outras casas. A vista era do mar, ou de um braço de mar, como meu pai chamava a Baía de Vitória. A parte do mar que avistava logo chegava ao Cais do Avião, da Lenha e à Ilha das Caieiras, completando o contorno que forma a Ilha - nossa capital. Diziam, e cantavam que, viver era aquilo: "Ver Vitória." E... "Tu és Vitória, um sorriso de mulher." Na minha casa, o quintal era pequeno, suficiente para as árvores da minha avó (pé de romã e mangueira). A romã era uma fruta que me intrigava, não me atraía, dava pouco valor como alimento, mas as suas sementes pareciam místicas. Como alimento preferia o jenipapo do "terreiro" do vizinho, que não aceitava as nossas investidas. Do terraço avistava, além do mar, uma pequena pedra junto ao antigo Matadouro, em Cariacica. Avistava, também, a Ilha do Dr. Américo e do hospital dos tísicos. A pedra era pequena: marcador do nível do mar. Quando desaparecia era sinal de alegria, era maré cheia, algo próprio para o mergulho nas águas do Braço do Mar. Na ilha do Dr. Américo apresentava-se uma faixa de areia onde se alcançava de barco ou a nado para um banho de sol. Ao deixar Vitória, logo após a formatura, deixei a casa e não mais retornei. Passei a morar em apartamentos. Em São Paulo, uma vista triste e solitária. O vento e o frio afastavam o olhar. Guardei as lembranças do Mar, do Cais e da pequena Pedra junto ao Matadouro. Quando chequei a Cachoeiro continuei em apartamentos e desde o início deste século morei no morro do Gilberto Machado e agora na Beira Rio. Em terras cachoeirenses tenho três vistas privilegiadas: da sacada do apartamento vejo o centro da cidade; na lateral, o Frade e a Freira e o Itabira; aos fundos, todo o bairro e a Samarina (grande árvore na Praça dos Macacos) e o rio Itapemirim.

Dia desses, eu me perguntava qual das vistas era a mais bonita. Aquela que mais me encantava ou encantou? Apesar de saber que as coisas afetivas não se guardam apenas na visão ou no encantamento de um olhar e são difíceis de escolher ou manifestar preferências. Em certos momentos me vejo descendo ou caminhando em direção ao Cais do Avião e sinto que os momentos eram de rara felicidade mesmo em meio às muitas dificuldades. Em tempo de infância existia a esperança e uma quase certeza de dias melhores. Coisas que em final de vida deixamos de ter. Apesar de tudo saber, fiz as minhas escolhas. Pensei... A vista de Vitória e o Braço do Mar ficaram em minha memória, não mais a procurei, a casa não é mais uma moradia que me atrai. Prefiro, na atualidade, por praticidade e segurança, a vida em apartamento. No Gilberto Machado e à beira do Itapemirim, pela manhã, bem cedo, com os primeiros raios do sol sobre nossas pedras principais, a vista lateral é encantadora; de Vila Velha, do mar e as areias de Itapoã, além das castanheiras, tem o som inebriante de suas ondas; mas o que me encanta é estar na sacada do apartamento e ver Cachoeiro pela manhã e à noite. Encanta-me a vista do vale cachoeirense com seu entorno em pedras e a perspectiva da chegada da noite com a grande lua... No nosso vale a beleza existe. Ainda que veja, em meio a tudo, sinais de empobrecimento social.

 

Sergio Damião Sant'Anna Moraes

 


Sergio Damião Médico e cronista

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