Se eu não estivesse com fone - Jornal Fato
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Se eu não estivesse com fone

Coloco os meus fones de ouvidos, no máximo, de uma maneira que se qualquer indivíduo


Coloco os meus fones de ouvidos, no máximo, de uma maneira que se qualquer indivíduo - racional ou não, vier falar comigo, com certeza eu não escutaria. Quase sempre de propósito, desculpe-me a sinceridade. Muitos utilizam o café para começar com disposição o dia ou a semana, já o que faz sentir-me melhor é minha relação com o fone de ouvido, pois a gente só dá valor ao mesmo, quando um lado para de funcionar. Isso mesmo, dê valor aos seus fones de ouvidos, mesmo que sejam aqueles comprados ali na lojinha do chinês.

Enfim, não vim aqui pra fazer propaganda ou comércio, mas foi num dia desses, um dia desses infernais, bem típicos de Cachoeiro, com direito a amostra grátis do inferno, que meu fone quebrou. Daí, que fui obrigado a socializar, não que para mim, um simples cidadão que dialoga com inúmeros adolescentes diariamente fosse tarefa difícil, mas é que ali, naquele momento, horário de pico, ônibus lotado, indo para o aeroporto, eu só queria buscar uma brisa mais ou menos morna na janela do ônibus; tarefa difícil, irmão. Em pé mesmo, já que não havia mais nenhum lugar para sentar, naquele projeto de transporte público.

Quando me deparo com uma murmuração, um disse me disse, todos colocando as cabeças para fora do ônibus de maneira bem alvoraçada; por alguns segundos achei que tivesse algum famoso na cidade, que tinha acontecido algum atropelamento; que infelizmente já é comum por ali, ou até mesmo um acidente - cena rara em nossa capital secreta. No meio daquela confusão, num calor tipicamente cachoeirense, e um trânsito parado, antes das seis da tarde, a multidão anunciava uma tragédia: alguém havia se jogado da ponte.

De repente baixou a Sônia Abrão em todos do ônibus: enquanto alguns anunciavam o incidente, outros condenavam e até lembravam de outros casos que ganharam repercussão municipal, uns pareciam ter feito mestrado em jornalismo, pois só faltavam pedir ao motorista para descer do ônibus, saber o que havia acontecido e voltar para contar a todos a real situação. Isso porque estamos em pleno setembro amarelo, onde a empatia precisa ser levada mais à sério

Se eu estivesse com fone não teria escutado nenhuma daquelas sórdidas palavras sobre o "alguém" que acabara de perder a vida ou não. No meio daquela cena, lembrei de Rubem em "Luto da família Silva", dizendo que nós, Silvas, não tínhamos a mínima importância, "trabalhamos, andamos e morremos". E infelizmente, Rubem tinha razão.


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