Personagens de Nossa História - Jornal Fato
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Personagens de Nossa História

Os poucos historiadores de Cachoeiro têm chamado a atenção com frequência


(Há algum tempo publiquei, há uns 10 anos, talvez, as duas crônicas que ora reproduzo nesta página, com pequenas e desimportantes alterações).

Foram publicadas originalmente na revista SETE DIAS. A publicação partiu de um repto do Joacyr Pinto: - aproveitar minhas múltiplas leituras sobre a História de Cachoeiro e abrir um novo espaço na imprensa. Algo como um "Cachoeiro de Ontem", só que com mais letras. O objetivo: fazer chegar às novas gerações alguma coisa - inicio que seja - sobre os personagens que fizeram nossa História, que é o nome do espaço que lanço, aqui, hoje e que eu, prestando homenagem aos vultos históricos de Cachoeiro, assino, sem grandes qualidades, é verdade; mas com grande entusiasmo, o que não é nenhuma mentira.

Os poucos historiadores de Cachoeiro têm chamado a atenção com frequência: pouca gente entre nós tem se importado em conservar a história da cidade. Um ou outro gato pingado se arrisca a lembrar da sua história. Os homens que fizeram Cachoeiro estão sendo cruelmente esquecidos e suas memórias vergonhosamente apagadas.

Ninguém um dia pensou em adquirir para o domínio público o imenso material sobre a cidade ajuntado por homens como Manoel Gonçalves Maciel, Levy Rocha, Paulo Herkenhoff, Joaquim Pires do Amorim, Joel Pinto, Waldemar Mendes de Andrade, Gil Gonçalves e todos os mais que fizeram uma profissão de fé: ajuntar cacos e ecos da História de Cachoeiro, tão rica, tão mais rica do que o momento no qual vivemos.

Não sei até quando vou conseguir manter o novo compromisso. Tanto quanto possa, vou fazê-lo, sendo de obrigação anunciar que tudo o que escrever no "Vultos que Fizeram Nossa História" terá sido trabalho de ajuntamento do estudo e documentos recolhidos daqueles cidadãos a que me referi acima. Todos falecidos. E, mais ainda, de Evandro Moreira, que está muito vivo, escrevendo e pesquisando muito e, de vez enquanto, e com prazer, chicoteando os analfabetos confessos de nossa história, de nossa cultura.

Peço desculpas, desde já, por eventuais erros que cometa, e que me apressarei em corrigir: não é fácil ao não profissional do ramo falar sobre tanta gente e sobre tanta história, sem cometer equívocos, sem erros graves (mas quem faz honestamente, tem o direito de errar, até gravemente. O que não tem direito é de se acomodar).

Ao tempo em que agradeço a Joacyr Pinto, o (então) novo espaço que ele me concedeu, parabenizo-o pelo seu trabalho de décadas no "Cachoeiro de Ontem", ponto de encontro e síntese fotográfica da sociedade, da história, da cultura e dos costumes cachoeiranos, ao qual venho me juntar com os "Vultos...", que é ideia dele.

Que os pequenos textos (que começam com Bernardo Horta, nosso maior vulto), em nada comparáveis com a grandeza de nossos antepassados, sirvam de início e de aperitivo para o conhecimento de nossas coisas para os mais jovens e de recordações para os mais velhos. E que daqui, ou de qualquer lugar, possa surgir muito mais conhecedores profundos da história de nossa cidade e da região. Gente que tenha a coragem de se expor, que não tenha medo de errar.

É pedir muito?

 

BERNARDO HORTA

Bernardo Horta de Araújo, diz Newton Braga, é a maior figura de nossa História. Filho do mineiro de Cocais, Desembargador José Feliciano Horta de Araújo (que dá nome ao Fórum de Cachoeiro) e de D. Izabel de Lima, filha do Barão de Itapemirim. Nasceu em 20 de fevereiro de 1862, em Itapemirim, na Fazenda Muquy, em terras do avô barão.

Fundador do 1º Clube Republicano do Estado, foi Presidente da Câmara Municipal de Cachoeiro (1902/1903), cargo que equivalia ao de Prefeito (fruto de seu trabalho, em 1º de novembro de 1903 foram inaugurados a luz elétrica (na Ilha da Luz) e o prédio da Prefeitura de Cachoeiro (no local onde está, hoje, a Câmara).

Casou-se com D. Angelina Ayres Horta, apelidada Nininha (ela casou-se com aproximados 13 anos e morreu por volta dos 20 anos de idade). Tiveram cinco filhos: Maria Izabel, Fábio, Zilma, Lélia e José, os quais, após sua morte, foram criados pela mãe de nosso contemporâneo Nelson Sylvan. Angelina era filha de Joaquim Ayres (maçom, fotógrafo e, como Bernardo Horta, fundador do Grêmio Bibliotecário Cachoeirense, a biblioteca da Maçonaria). No dia 15 de dezembro de 1898, ao ser iniciado maçom, declarou que "o respeito que voto a esta (Maçonaria) é tão grande que as minhas próprias convicções ficam esquecidas quando dentre deste recinto estou".

Farmacêutico formado em Ouro Preto - MG (dezembro/1881), jornalista (redator-chefe do "Cachoeirano") e político (vereador, Presidente da Câmara e deputado federal). Seu nome está inscrito em nossa história principalmente pela sua importante atuação política. Simples, idealista, honesto, sonhador e grande orador, como define Evandro Moreira, esses predicados foram sua glória e o seu martírio.

No término de seus dias, pobre, endividado, roubado pelo sócio da farmácia, doente e desprestigiado, desgostoso com os rumos da República, suicidou-se no Rio de Janeiro, em 20 de fevereiro de 1913, dia em que completava 51 anos, cinco dias após a inauguração do Grupo Escolar Bernardino Monteiro.

Imagine o sofrimento do grande homem: esquecido por Cachoeiro, num canto qualquer do Rio, enquanto aqui inauguravam a Fábrica de Tecidos e a Fábrica de Cimento (fins de 1912) e o "Bernardino Monteiro" (o mais portentoso de nossos prédios públicos). "Deixou um nome limpo na vida pública, como na particular", diz Antonio Marins.

Bernardo Horta, em carta que manuscreveu no dia anterior à sua morte, cujo original está carinhosamente conservado, pediu, como últimas vontades, "Enterro de última classe, sem acompanhamento. Sepultura rasa. Ninguém de luto por mim. Os filhos uma fita ou laço no vestuário". Quando seus restos mortais foram trasladados para Cachoeiro, uma multidão os acompanhou. O sepultamento (sepultura nº 65, quadra 1-C), juntamente com os restos mortais de D. Angelina, ocorreu às 13 horas de 1º de abril de 1919, segundo consta no recibo nº 55, da mesma data.  Depois, a única homenagem que a cidade lhe prestou - e sobreviveu - foi dar seu nome a uma de nossas principais ruas. Passado mais de século, é muito pouco, quase nada.

 


Higner Mansur Advogado, guardião da cultura cachoeirense e, atamente, vereador

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