Os sinos da consolação - Jornal Fato
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Os sinos da consolação

Em Cachoeiro, nos momentos que me aproximo da sacada do apartamento da beira do Itapemirim, penso no badalar dos sinos das igrejas próximas ao Guandu, bairro que resido.


- Foto: Divulgação

"É humano querer o que nos é preciso e é humano desejar o que não nos é preciso, mas é para nós desejável. O que é doença é desejar com igual intensidade o que é preciso e o que é desejável. O mal romântico é este: querer a lua como se houvesse maneira de a obter", escreveu Fernando Pessoa, o poeta português, em seus momentos de Desassossego. Em Cachoeiro, nos momentos que me aproximo da sacada do apartamento da beira do Itapemirim, meditando como se nada quisesse da vida, com saudades das coisas e pessoas que a pandemia da Covid-19 nos levou, penso no badalar dos sinos das igrejas próximas ao Guandu, bairro que resido. Bem antes de articular e pronunciar as primeiras palavras, João Vitor, meu neto mais novo, já se assanhava na janela do apartamento ao se anunciar as horas, mais ainda às 18 horas, hora marcante do badalar dos sinos, momento que os sons se demoravam. Naquele instante, ele buscava o colo da avó que lhe falava ao ouvido: é papai do céu chamando para uma conversa. Ele parecia tudo entender, pois, permanecia atento, em silêncio respeitoso. Naqueles dias, e por anos anteriores, o sino marcava o tempo, regulamente, das seis da manhã às seis da tarde, de hora em hora, uma tradição cachoeirense. Eu nem sempre atendia aos chamados, mas sabia que estava em dívida com Deus e com as coisas que não entendemos e não atentamos nos dias corridos da nossa existência terrestre.

Bem antes da emergência sanitária global, pandemia da Covid-19, decretada em janeiro de 2020, visitei Istambul. Em passeio pela milenar cidade muçulmana e turca, única do mundo em dois continentes, de várias Mesquitas me aproximei. De suas torres (Minaretes), por cinco vezes ao dia, uma sirene (alto-falantes) emitia um som assustador e levava a pensar algo como o começo ou fim... Nos seus sons emitiam a frase: Alá é grande. Em seguida, um chamamento para a profissão de fé. Em forma melodiosa, ainda que em língua confusa, um sentido: meditar sobre as razões das nossas vidas. Voltando a Cachoeiro, com o fim da pandemia, maio de 2023, pelo menos oficialmente nos registros da Organização Mundial da Saúde (OMS), sinto-me como entregue a mim mesmo, numa desolação de sentir viver, como um barco navegando à deriva e desejando um porto. Refletindo as palavras do poeta: Um aventureiro que sabe que navegar é preciso, mas que viver não é preciso. Com medo das coisas sociais e políticas. Medo das vaidades de governos e políticos do país e do mundo. Medo das coisas que possam vir de suas decisões, das guerras que se aproximam e avolumam. Medo pelo mundo que estar por vir, não por mim, mas para as gerações que aqui permanecerão. Navegando sem ilusões, mas ao mesmo tempo sem abandonar os sonhos que é uma ilusão de quem sabe que não pode ter ilusões. Nesse conflito pessoal, vivendo de mim mesmo, buscando a fé, sigo a navegar. Na busca da fé me aproximo da esperança, pois sem a esperança não há vida. Sendo assim, que volte o badalar dos sinos da consolação em sua plenitude, marcando as horas do dia, mesmo que nesses momentos, não nos atentemos que são os sons da esperança de dias melhores.


Sergio Damião Médico e cronista

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