O Toque Fatal (*) - Jornal Fato
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O Toque Fatal (*)

Dia 18 de outubro - "Dia do Médico" - minha homenagem


- Foto Reprodução Web

Naquela manhã, com a cabeça desocupada, tio Dedé resolveu colocar algo dentro dela. Não foi nada, assim, muito agradável, mas era a única coisa de que dispunha naquele momento de vácuo mental. Foi aí que ele se imaginou numa sala de espera de um consultório médico para exame de próstata. Isso aconteceu, por feliz ou infeliz coincidência, durante aquela campanha do preventivo do câncer: "Dê um toque em sua vida".

De repente ele se viu no meio de um punhado de sessentões, muitos já com rabugens e pigarros próprios da idade. Assim que ele chegou, deparou-se, na porta de entrada, com um sujeito alto, corpulento, meio calvo, cara de poucos amigos, andando pra lá e pra cá e berrando ao celular. Antes de desligar o aparelho, foi esta sua última frase: "Da próxima vez, coloco você no olho da rua..." O cidadão fazia absoluta questão de demonstrar aos presentes que era chefe e mais que isso: muito macho. Depois dessa aula de exibicionismo, lá estava nosso personagem sentadinho, humilde, pronto pra levar um toque, sabe Deus onde. Tio Dedé falou pros meus botões: "Cadê a brabeza dele?"

Tudo ali é constrangedor. A situação fica, ainda, mais difícil quando a recepcionista faz questão de perguntar, em voz alta: "É a primeira vez?" (E a primeira vez ninguém esquece!...). Teve um que ficou tão envergonhado que fingiu que era surdo. Um outro, pra despistar, só fez um gesto, sinalizando dois dedos, como quem diz "é a segunda vez!". Todo mundo olhou pro coitado.

Com aquele fato ainda na sua imaginação, tio Dedé apanhou uma revista, como fizeram todos os demais que ali estavam, e fingiu que estava lendo, como também faziam os demais. Afinal, quem vai se concentrar na leitura numa horas dessas? O pensamento está longe... Longe, não, ali perto, na sala de consultas. É aquela história da sensação de perda de algo que o ser humano muito preza, que é a sua dignidade. Ideia falsa, porque tudo não passa de puro preconceito. Ninguém será mais ou menos respeitável depois de um exame de próstata...

Tio Dedé entra no consultório médico e, mais ou menos meia hora depois, lá vem ele de volta, ofegante, mordendo o lábio inferior, com semblante de quem sentia muita dor. Com u'a mão na cintura e a outra na coxa, olhos quase fechados e o corpo pendendo pra frente, com as pernas semiabertas, ele permaneceu alguns instantes parado, triste, pensativo, com o ombro encostado no portal.

Depois, passou pelos demais pacientes, devagarinho, cabisbaixo, sem dizer nada e vai embora. Três dos pacientes também se levantaram e foram embora.

No dia seguinte, me encontro, na rua, com tio Dedé, que me confessou às gargalhadas: "Fui lá só apanhar o resultado de um exame. E, como estava à toa, resolvi fazer o tal exame de próstata".

E, então, aconteceu o toque fatal!...


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