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O Tempo é Senhor da Razão

Quando ia a Vitória, parava em Iconha, para comer as delícias do Bar do Ozimar


Quando ia a Vitória, parava em Iconha, para comer as delícias do Bar do Ozimar, bar que veio de décadas antes, como demonstrava a fotografia do pai dele, pregada na parede, terno escuro - o pai fora o proprietário do bar. Abaixo da foto, mais de 200 garrafas de cachaças antigas, coleção de fazer inveja a quem passasse por ali. Maior inveja provocava o pastel feito na hora, que Ozimar servia, tradição cultural da cidade de Iconha que, parece, acabou.

Nem eu e nem ninguém ousaria, ainda que meio bêbado de uma das cachaças do mostruário, dizer que um dia a água atingisse quase o teto do bar, jogando tudo fora, atração turística, de mais de 50 anos. Cabe relembrar - o Rio que corta Iconha é tão minguado, tão abaixo da pequena ponte de cimento próxima, que o mero passante de automóvel nem sabia que por ali passa um rio. E de repente, veio a chuva, transbordou o Rio, as águas subiram e chegaram ao teto do bar, mais, chegou ao teto da maior parte das casas da cidade, ao ponto de o Prefeito de lá informar que Iconha tinha acabado - e por um bom tempo terá acabado, sim.

José Rubens Brumana, historiador de Itapemirim, reproduziu fotos de Iconha - 1942 - quando enchente de igual tamanho acabou com a cidade, então bem menor do que a existia até esta semana. Diz Brumana: - "Há 78 anos, 18 de dezembro de 1942, aconteceu uma tragédia em Iconha. Naquela época, não teve vítimas. O quantitativo de residências era pouco, evitando perdas humanas".

E referindo-se ao nosso tempo, prossegue o historiador: - "O que aconteceu de políticas públicas para evitar essa tragédia?... Um ponto em comum nessas catástrofes é a presença dos rios nas comunidades envolvidas: Iconha, Vargem Alta e Alfredo Chaves. Rios tornaram-se córregos canalizados.Tratar das questões ecológicas não são prioridade política dos governantes: evitar as intempéries; tratar os assoreamentos dos rios; replantar matas ciliares; evitar construções as margens dos mananciais serão necessárias para que catástrofes não se repitam. Engenheiros, arquitetos e outros profissionais, deverão conceber políticas urbanísticas para evitar inundações. Temos tecnologias para isso. Devemos mirar no passado para que não se repitam erros no futuro". Mas não se fez.

Já Carla Joana Magnago, jovem advogada de Alfredo Chaves, cidade também destruída pela enchente, escreveu, furiosa e coberta de razão: - "Conversando sobre o cenário de destruição no nosso município, falei sobre projetos que gostaria de desenvolver na cidade a níveis ambiental e estrutural para a prevenção e contingenciamento de catástrofes ambientais como essa, sobre obras que eu embargaria se pudesse, sobre economia sustentável e turismo. Expus as necessidades básicas e urgentes do nosso povo. Não me resta dúvida alguma de que, para além de toda revolta e força da natureza, há irresponsabilidade humana envolvida na destruição. Há décadas atrás, esse tipo de tragédia natural não existia no nosso município e agora, e em menos de uma hora, (vemos) o cenário de guerra e, infelizmente, com vítimas fatais. Municípios históricos e rurais como o nosso não suportam a invasão e o avanço de obras megalomaníacas. Não adiantará o apoio público e reconstrução privada de cada um; temos que repensar e reconstruir nossa terra a partir de nova perspectiva social".

 

E AQUI EM CACHOEIRO?

E aqui em Cachoeiro, na Justiça Estadual, existe uma Ação Civil Pública, proposta neste ano pelo Ministério Público Estadual, cuja inicial, só ela, tem 62 densas páginas de argumentos corretos e pesados contra a construção deferida de imenso empreendimento comercial, no Bairro Independência, bairro estritamente residencial, que só admite pequeno comércio, e não aquilo que a prefeitura de Cachoeiro deferiu.

Não dá, por falta de espaço, colocar aqui as 62 páginas Da dura e real denúncia pública do Ministério Público, repletas de informações explosivas que fariam corar o Frade e a Freira.

Mas dá para lembrar ao distinto leitor que - a continuar a obra - um dia a tragédia se instalará ali e em toda a cidade de Cachoeiro, como se instalou em Iconha, Vargem Alta e Alfredo Chaves.

Em Cachoeiro, no local indicado, as ofensas são ao Código Florestal, com derrubada de matas, às margens do Rio Itapemirim, ao estuprado PDM e, até, à melhor maneira de governar. (Procure o leitor se informar sobre isso). E como já disseram: o tempo é senhor da razão.

 

AULA DO PROF. MANOEL MACIEL

"1873: ERA PROBIDO EDIFICAR CASA À MARGEM DO RIO: "Sessão da Câmara de 6/2/1873 - "Numa petição de Manoel Dias do Prado para edificar uma casa com frente na Rua Moreira para o rio, a Câmara resolveu indeferir a este requerimento visto que tem adotado a providência qual de não deixar edificar casas do lado do rio não só porque enfeia o arruamento das margens do rio como também tira a vista aos moradores cujas casas têm frente para este."

Passaram-se 119 anos dos velhos bons tempos em que a vista para o rio era preservada.

Se Cachoeiro, em seguida a essa resolução, tivesse sido governada por homens que adotassem também a ideia, teria crescido com extensas, arejadas e alegres avenidas beira-rios. Mas, se todos os governantes fossem inteligentes, não teríamos de quem falar".

(MANOEL GONÇALVES MACIEL, in "De volta ao Cachoeiro Antigo" - Vol. 1, pag.102 e publicado na CONEXÃO MANSUR 080, de 08-01-2011).

 

COISAS QUE EU JÁ DISSE

JANEIRO/2009: "O drama das populações ribeirinhas é resultado da calamidade pública permanente da cultura do jeitinho. As autoridades deixam o cidadão construir de qualquer maneira, fora das normas, como se lhe tivessem prestando favor ao permitir-lhe economizar alguns reais na construção de seu lar. A economia que o cidadão conseguiu ontem se transforma na calamidade dos dias de hoje. O rio cresce, invade as margens, avança sobre as moradias e cobra, com juros, a economia desgraçadamente permitida, autorizada e, às vezes, incentivada pelo poder público municipal. "Que se ferre o pobre", deve dizer a autoridade - "permito que eles descumpram a lei hoje, ganho o voto deles agora, e, no futuro, quando as águas destruírem o patrimônio de vida inteira, eles que se queixem ao bispo, ao prefeito e busquem a caridade pública".

Infelizmente, é na tragédia que adquirimos consciência das mazelas que trazem o descumprimento de leis de meio ambiente, de urbanismo e de segurança. É quando o cidadão perde tudo que ele, finalmente, desperta para o fato de que lei não deve ser descumprida. É quando uns sem-vergonhas, que nada perderam vêm dizer que tragédias são inevitáveis. São uns canalhas".

(Originalmente publicado na CONEXÃO MANSUR 080, de 08-01-2011).


Higner Mansur Advogado, guardião da cultura cachoeirense e, atamente, vereador

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