Mulheres Empilhadas - Jornal Fato
Artigos

Mulheres Empilhadas

Começo o ano com a leitura do livro Mulheres Empilhadas, de Patrícia Melo


Começo o ano com a leitura do livro Mulheres Empilhadas, de Patrícia Melo, presente da amiga e feminista militante na defesa dos direitos das mulheres, Giovanna Carrozino. Ainda não terminei de ler, mas é muito impactante.

Nesta leitura de tantas vidas dizimadas por machistas e misóginos que na maioria das vezes saem impunes, a memória leva à escrava Anastácia, negra descrita como linda e de olhos azuis, que chegou ao Rio de Janeiro, sequestrada do Congo em 1740, e que foi fruto de um estupro. A história se repete e ela também foi estuprada, com o agravante de que foi amordaçada por não ceder aos apelos sexuais de seu senhor.

Isto é história real e mostra que a vida das mulheres, principalmente das negras, nunca foi fácil. A escritora Conceição Evaristo, sobre a máscara de Anastácia, afirmou em entrevista: "aquela imagem da escrava Anastácia, eu tenho dito muito que a gente sabe falar pelos orifícios da máscara e às vezes a gente fala com tanta potência que ela estilhaça. E eu acho que o estilhaçamento é um símbolo nosso, porque nossa fala força a máscara". Então percebo que de uma forma ou outra, estamos amordaçadas por circunstâncias variadas, mas que se nos unirmos e elevarmos a nossa voz, a nossa fala sempre forçará a máscara.

Segundo o prefácio do livro Mulheres Empilhadas, todas estamos à mercê do machismo que estupra uma mulher a cada 11 minutos e mata milhares todos os anos, de forma crescente e assustadora. Literalmente, o prefácio destaca: "E todas nós,  as mulheres já feitas e as meninas, as mais velhas e as mais novas, as gordas e as magras, as negras e as pardas, as indígenas e as descendentes de imigrantes, e as urbanas e as do campo, as analfabetas e as com grau universitário, as faxineiras, as professoras, as ambulantes, as atrizes, as costureiras, as engenheiras, as designers e as que não trabalham fora, as solteiras, as casadas, as divorciadas, as lésbicas, as trans, as mães, as filhas, as avós, as tias, as irmãs e as primas. Pertencemos a uma mesma família. Em nosso sangue, em nossas veias ou derramado no chão, ainda corre a força do patriarcado, da violência e do medo que só uma mulher sente e atravessa gerações".

O livro não traz novidades, mas é impactante. Mostra que a violência contra a mulher precisa se tornar o nosso lugar de fala, mesmo que não sejamos diretamente alcançadas por ela. Só quando verdadeiramente nos indignarmos contra a violência doméstica e estilhaçarmos as máscaras que nos silenciam poderemos diminuir o número de feminicídio. Que em 2020 o Estado possa oferecer de fato políticas públicas que acolham e empoderem mulheres que ainda são mortas todos os anos por falta de estrutura e apoio. E que as nossas vozes continuem ecoando pelos orifícios das máscaras. 

 


Anete Lacerda Jornalista

Comentários