Destino-tudo - Jornal Fato
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Destino-tudo

Prosa inspirada na canção "Disparada", de Geraldo Vandré e Theo de Barros, na galopante voz de Jair Rodrigues


De que é feito um cabra-macho? De suor? Terra? Bravura? Arrelia? Galope? Ou de tudo isso e mais um 'cado de bruteza que cabe, todinha, na sela do alazão?  

Nada disso, patrão. Que cabra-macho, mesmo, é de lágrima, que, quando cai de seus zói, brilhando igual à espora nova, lava sua alma dum bem-querer que talvez nem ele próprio se saiba desejoso daquele sentir danado de bão, que lhe achega, como chuva, no sertão que é seu coração. Mas não porque a má-sorte da sozinhança o sorteou. Ou o espraguejou. Não.  

Choroso, cabra-macho vai, campina adentro de si, cavalgando sem outra companhia senão a de seu alazão - relinchando duma agonia que, se qué sabê, nem é tão ruim assim - porque seu "destino-tudo" é o colo do rabo-de-saia que lhe aguarda desde antes de ela, formosura ainda não desabrochada, se saber dona do coração do cabra "destinado-tudo" a dedicá-la amor. 

 

A CONTA

Boné vermelho-pedreiro, mão esquerda no queixo (à la O Pensador), bigode El Mariachi, costeleta anos 70, braço direito na posição seis e meia da tarde, silêncio divergente da jukebox (..."é o Calypso, que chegou para ficar"), garrafinha de Coca-Cola à mesa, sacolas de compra de mercado ao chão e o olhar, ah, o olhar, sim, meu Deus, o olhar, o olhar, meu pai!, fugidio...  

Estará à procura de quem? Ou de quê? 

Os minutos seguem, e ele, ainda estático, continua a suscitar hipóteses co(di)gitadas por esta breve narrativa - feita, vagabundamente, à beira do balcão. Até que um jovem chega da rua e se aproxima do homem. Conversam, em tom de voz baixíssimo. O rapaz pega do chão algumas das sacolas de compra, e os dois, então, saem.   

Terão ido para onde? Perto ou longe? 

A narrativa bebe mais um gole de cerveja e, inconclusiva, entende apenas que a literatura não se trata de respostas.

A conta, Nina, por favor.

 

APRONTA

A lona do circo permanece armada no peito da cidade, mas, em vez da nostalgia, quem não pagou entrada, dia desses, foi o baiano vendedor de melado de cana por mel de abelha. Sim, o próprio. Acreditam que, não bastasse tal façanha, ele também conseguiu desovar duas garrafas da 'iguaria' por setenta merréis? Todo show tem seu artista.

 

...POR POUCO

Sinceramente? Às vezes, acho que desaprendi a escrever crônica. Ou que talvez eu nunca tenha sabido. Desconfio que quase tudo que tracei, até hoje, não deve passar de "devaneios melancólicos", expressão que você utilizou para ludibriar - qual um angoleiro a encabular um regional, um Garrincha a entortar um zagueiro - alguma saudade que viesse a pontear teu coração, em alguma fresta da tarde de ontem, que, se não te ardeu, foi por pouco.

 


Felipe Bezerra Jornalista Escritor, jornalista e membro da Academia Cachoeirense de Letras

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