Despedida de Bernardo Horta - Jornal Fato
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Despedida de Bernardo Horta

Não é sem peso na consciência que publico a carta abaixo, escrita por Bernardo Horta


Não é sem peso na consciência que publico a carta abaixo, escrita por Bernardo Horta que, para quem não sabe, é o maior homem público de Cachoeiro, em todos os tempos. Trata-se de carta que ele escreveu a seus filhos, crianças ainda - carta de 19 de fevereiro de 1913, um dia antes de seu suicídio. Por mais de século o documento ficou guardado pela família, tamanha a dor que lhes causou - e quem a ler, sob olhar familiar, entenderá com certeza.

Passado tanto o tempo, entendi que dá-la a público é homenagem que se dá a homem tão sofrido e sofrido exatamente porque dedicou toda sua vida à coisa pública. Poucos fazem isso, quase nenhum é homenageado por isso. Enquanto tantos se comprazem em falar mal de políticos, muitas vezes merecidamente, conta-se nos dedos os que têm coragem de elogiar publicamente um político sério, que levou a seriedade ao sacrifício pessoal supremo - é o que faço agora (Fiz leitura dela na Câmara de Cachoeiro (ele foi Vereador aqui) e na Loja Maçônica Fraternidade e Luz (ele foi maçom lá, e presidente da primeira biblioteca de Cachoeiro, lá também).

Eis a carta que ele deixou a seus filhos e que eu convido a todos a prestarem atenção nela. Carta de homem que nasceu rico. Filho de Desembargador, neto do Barão de Itapemirim, teve vida política sem mancha.

Passo, agora, à carta dele, dirigida a seus filhos. Que carta e exemplo de Bernardo Horta nunca mais saiam de nossa consciência e, mais que isso, nunca mais saia de nossa atividade, seja ela política, seja pessoal:

"Rio, 19 fevereiro 1913.

Meus filhos, Amanhã completaria 51 anos. De 1862 a 1913, para chegar à dura e cruel extremidade de eliminar-me... Se estivessem aqui, não o faria, mas de longe parece-me que por muito que venham a sofrer, sofreriam mais se eu continuasse a existir.

Perdoem-me, tenham compaixão, rezem por mim como sempre eu o fiz por vocês, pedindo a Deus todos os males que lhe fossem destinados. É um ato de covardia, mas empreguei todos os meios - em pura perda - de continuar com vocês, sem sacrificar ainda mais os parentes (principalmente o Delfim) e amigos, dentre eles Luiz Alves de Oliveira, que muitas vezes serviu-me com toda a boa vontade.

Muito a tempo, cogitei de colocação e a tive garantida, e outro foi nomeado! Tratei de receber o que o Estado deve-me, tive o pagamento garantido e até hoje nem o dinheiro que me emprestaram foi pago!

Tenho a consciência tranquila, não fui um imprevidente, fui confiante. Devo, e vocês não ignoram, e só poderia aumentar o débito, sofrendo o que já tenho sofrido.

Não pude educá-los pelas limitadas receitas e apesar dos progressos que obtinham fui forçado a tirá-los dos colégios.

Na minha vida política nada tenho que macule a honestidade, desde a propaganda até Deputado Federal, com escalas do Governo Municipal e da Assembleia do Estado.

(Vocês) Nada lucram com isso... esta é a verdade. Vocês ficam órfãos e pobres. Devem se auxiliar uns aos outros. Os que já puderem produzir alguma coisa, ou aprenderam qualquer serviço, ou exercerem qualquer profissão - esforcem-se para a conquista da confiança e sempre econômicos lembrem-se do José e da Lélia que ainda são muito pequenos.

Tenham muito cuidado com os dentes, que são péssimos e com a alimentação, deixando de lado doces etc., regularizando as refeições sem uso de guloseimas, que embora agradáveis - prejudicam.

Sejam obedientes, procedam sempre de modo modesto e atencioso. Conquistem as posições pelo trabalho, pela aplicação, pelos bons modos, pelo procedimento honesto e sigam os princípios da religião cristã. Todas as profissões são boas desde que dignamente se possa crescer.

Maria Isabel - És a primeira, e sabes os carinhos com que fostes tratada. Deves ter sentido mais de uma vez a falta de tua mãe e eu mesmo sempre senti, mas tens a índole boa e agora compreendes que tens a responsabilidade do exemplo. Guia os teus irmãos e faz por sempre lhes inspirar confiança pelo teu procedimento. Confio que assim seja.

Fábio - És o primeiro dos homens e além da idade, tens, eu o sei, bons princípios sobre teus deveres. Devo-te muito, e você nada me deve; não pude satisfazer a tua vontade de te ter em colégio e agora, meu filho, nem depois... O teu carinho e teu trabalho, quando estive doente da vista e sempre, me fazem confessar que te amo e te sou muito grato. Deves procurar uma profissão que te agrade, e desde que o possas, estudar.

Zilma - Já estais uma mocinha. És forte... de todas era a mais franzina. Tens força de vontade. Aproveite-a para o bem.

Lélia - És pequenina ainda, mas prometes ser ativa, trabalhadora e boa. José - Meu caboclo. O que te dizer? Agora teus irmãos não te zangarão mais. Vive bem com eles e aprende a trabalhar.

Lembrem-se de mim.

Tinha tantas coisas a dizer a vocês, mas as lágrimas não o permitem. De momento a momento sou forçado a interromper. Tio Delfim mostrará a vocês tudo quanto escrevi em outra carta; verificarão que não havia outro recurso.

Adeus meus filhos. Beijos, abraços e a benção do infeliz Pai, Bernardo.

ULTIMAS VONTADES

Enterro de última classe, sem acompanhamento.

Sepultura rasa.

Ninguém use luto por mim.

Os filhos, usem fita ou laços pretos nos vestuários.

Bernardo Horta de Araujo, Rio, em 19 fevereiro de 1913".

 

Bairro Zumbi e mais 19

No Diário Oficial do Município, de 19 de fevereiro corrente, a prefeitura informou que estava analisando "soluções para área de risco no Zumbi", para onde se dirigiu prefeito e assessores, acompanhando representantes do Estado, "em visita técnica à área de risco na Rua José Antonio Santana, onde fica uma pedreira desativada - o objetivo foi analisar medidas para prevenir acidentes no local". (os termos entre aspas são da Prefeitura).

Pelo teor do texto, está me parecendo que a Prefeitura não está sabendo das coisas por inteiro. Caso contrário, se estenderia muito mais, e não só no Bairro Zumbi, como em mais 19 outros bairros da cidade (mas no Zumbi a tragédia é ou pode ser maior, bem maior do que simples visita, bem maior no prejuízo aos cidadãos ali moradores).

Publico, abaixo, parte de documento oficial federal (CPRM / CEMADEN) que aponta os riscos do Zumbi, documento produzido após visita técnica federal de fins de 2011 - portanto há mais de 7 anos, para fundamentar este texto. Não é só embaixo da pedreira desativada, É NO BAIRRO QUASE INTEIRO.

 


Higner Mansur Advogado, guardião da cultura cachoeirense e, atamente, vereador

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