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Basta fecharmos os olhos. Pronto: sozinhos com nós mesmos


- Foto: Reprodução/Web

Há muitas formas de estar sozinho... Mesmo em meio à multidão e independente do lugar em que nos encontramos. Basta fecharmos os olhos. Pronto: sozinhos com nós mesmos. Em meio aos nossos pensamentos. Devaneios que no fundo, não é algo ruim. Na maioria das vezes, reconfortante. Reconfortante como uma oração; uma prece; uma conexão espiritual. Uma maneira de nos aproximarmos e relacionarmos com a natureza, universo, com aqueles que já partiram do nosso convívio terrestre. Conexão com o nosso passado, infância e com Deus. Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa, o mais simples, e mestre, de todos os outros heterônimos do poeta português como Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Bernardo Soares, Vicente Guedes... Era um solitário. Usava a poesia como forma de estar sozinho. Escreveu: "Não tenho ambições nem desejos. Ser poeta não é uma ambição minha. É a minha maneira de estar sozinho." Ele escreveu, há cem anos, O Guardador de Rebanhos. Continua: "O que penso eu do mundo? / Sei lá o que penso do mundo! / Se eu adoecesse pensaria nisso. / Que ideia tenho eu das coisas? / Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos? / Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma / E sobre a criação do mundo? / Não sei. Para mim pensar é fechar os olhos / E não pensar. É correr as cortinas / Da minha janela (mas ela não tem cortinas). "

A minha forma de estar sozinho? Fico comigo mesmo quando da leitura de um bom jornal ou um bom livro de capa dura com crônicas e contos. Algo que pode me entreter por horas.  A leitura pode aliviar tensões tanto quanto um bom filme de uma sessão de cinema em uma sala das mais confortáveis. A arte do cinema, música, dança e escrita se equivalem, a escolha fica por conta das preferências e aptidões. Em uma das leituras, um texto chamou a atenção: descrevia a coragem. Esclarecia: coragem é a mãe de todas as virtudes. Sem coragem, nenhuma outra atitude moral, como a compaixão, pode ser consistente. Sem coragem somos justos ou solidários apenas quando é conveniente, quando fazer o certo não dá muito trabalho e estamos sem correr riscos. Coragem implica alguma dose de medo. Aristóteles dizia que a coragem não é a ausência do medo, ela se equilibra entre os extremos: entre o medo e o comportamento intempestivo ou irresponsável (dever da cidadania). Pois, o oposto da coragem não é o medo. E sim, a covardia. É preciso ter coragem para dizer não as injustiças, preconceitos, várias formas de agressões às mulheres (feminicidio, misoginia...). Dizer não à corrupção, as coisas erradas de governos e políticas sociais, aos desgovernos. Mesmo nas coisas pessoais, coisas do nosso dia a dia, de trabalho, sociais, relacionamentos amorosos e familiares, precisamos ter coragem para dizer não as coisas que não queremos realizar. Dizer não as coisas que não nos fazem felizes e que fazemos, na maioria das vezes, para sermos agradáveis ou sermos recompensados. É preciso coragem para seguir os versos de Caeiro: "Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver o universo... / Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer, / Porque eu sou do tamanho do que vejo / E não do tamanho da minha altura..."


Sergio Damião Médico e cronista

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