Conexão Mansur: Personagens de Nossa Terra - Jornal Fato
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Conexão Mansur: Personagens de Nossa Terra

Já publicadas, nesta Conexão Mansur, 18 delas; aqui vão mais três, de números 19 a 21


- Ilustração: Zé Ricardo

Continuo republicando as pequenas biografias cachoeirenses que intitulei "Personagens de Nossa Terra", publicadas a partir de maio de 2006, a pedido de Joacyr Pinto, na revista 7 DIAS.

Já publicadas, nesta Conexão Mansur, 18 delas; aqui vão mais três, de números 19 a 21.

 

FLORISBELLO NEVES (19)

Florisbello Neves nasceu em 03/07/1905, no distrito de Santa Isabel, Domingos Martins, filho do professor José de Fraga Neves Loureiro e de Margarida Apolinária Cristhe das Neves. Formado pela Escola Normal de Vitória, foi professor de língua portuguesa.

Em Cachoeiro, trabalhou nas escolas Quintiliano de Azevedo, Bernardino Monteiro e Graça Guárdia, onde foi professor e diretor. Trabalhou na Escola de Comércio de Cachoeiro. A partir de 1952 foi inspetor de Escolas da Rede Estadual.

Apaixonado por letras, colaborou no Arauto e no Correio do Sul. Ocupou cargos nos governos dos prefeitos Raymundo Andrade e Nelo Borelli; foi assessor do Deputado Federal Floriano Rubim. Foi vereador (um mandato) pelo MDB. Casou-se com Resy Machado, e teve seis filhos: Péricles Augusto, Isith, José, Vilma, Paulo e Zulnara. Viúvo, casou-se com Joana D'arc Rezende, tendo mais dois filhos: Stela e Sérgio Neves.

Aposentado a partir de 1955, dedicou-se a outras paixões: o Cachoeiro Futebol Clube e a Rádio Cachoeiro, onde permaneceu até a morte, escrevendo crônica diária (cerca de 5.000); crônicas levadas ao ar pouco antes do meio-dia ("No fim da manhã", o título do programa).

O cronista Florisbello Neves tinha o respeito de Rubem Braga, Segundo José Américo Mignoni, Cachoeirense Ausente de 2005, em depoimento dado pouco antes de falecer, Florisbello escrevia diariamente a crônica "que só ele poderia ser capaz de digitar em apenas uma lauda, sem erro de português, sem falha de datilografia e terminando na última linha que o papel pudesse receber".

As crônicas, lidas por José Américo Mignoni e por Rui Guedes, tinham audiência imensa pois Florisbello, além de escrever muito bem, tinha qualidade essencial do cronista: escrevia sobre assunto do momento e dava opinião, não ficava em cima do muro. Na crônica das emissoras de rádio do País, essas intervenções literárias eram quase nenhuma. Em Cachoeiro despontavam Florisbello e, também, o jornalista Joel Pinto. (É preciso talento, coragem e conhecimento para manter um programa desses. Florisbello tinha).

Homenageado com seu nome na Escola Estadual Prof. Florisbello Neves (Novo Parque, onde morou) e na biblioteca na Escola Estadual Presidente Lubke, Vargem Alta. Foi membro da Academia Cachoeirense de Letras.

Faleceu em 07/01/1974. No seu túmulo, pediu para escrever: "Minha alma para Deus, meu coração para Cachoeiro". (Pesquisa principal no livro "No Fim da Manhã", 100 crônicas de Florisbello, selecionadas por sua neta Sabrina Cypriano, que pode ser encontrado no "O Diário". Vivi a época e abono).

 

GILBERTO MACHADO (20)

Gilberto Machado, filho de Custódio Machado e de Cecília Ferreira dos Santos, nasceu na Fazenda Boa Vista, Cachoeiro, em 26.11.1884. Morreu em 16.10.1952. Casado com Dinorah Machado (Dindinha Dinorah), tiveram 12 filhos: Maria, Resy e Lucy, nascidas na Fazenda Fruteira; Ercy, Eleta, Ilton, Elcino e Gildo, nascidos na Fazenda Independência e os mais novos, Donato, Hyercem, Arismeu e Gilceu, nascidos em Cachoeiro.

Órfão de pai aos 7 anos, foi para o Rio morar com o tio Monsenhor Alves. Estudou no Colégio Santo Inácio. Ainda rapaz, voltou para Cachoeiro, indo morar na casa da irmã Almerinda, casada com o Coronel Marcondes de Souza (foi governador do Espírito Santo - 1912/1916). Com o Coronel deu os primeiros passos em atividade profissional: administrador de tropas de animais, que era como se transportava produtos, antigamente.

Apaixonado pela pecuária, dizia que "boi é como dinheiro em banco. A comercialização é fácil e o pagamento é a vista". Esteve à frente do tempo. Década de 1930, as famílias educavam as moças para (só) casamento. Ele encaminhou as filhas que quiseram, para o Rio, em busca dos cursos superiores.

Ficou rico. Desprendido, sua vida é de doações. Doou a Canuto, filho de ex-escravos dos pais, propriedade na (hoje) região de São Vicente. (Canuto foi o primeiro não-índio nascido naquela região). Fim do século XIX, doou terrenos para a construção da Santa Casa de Cachoeiro e deu substancial contribuição para erguer o prédio (os familiares, décadas depois, doaram novas áreas, para expansão).

Sua fazenda, na cidade, "Chácara Tijuca", vinha bem próximo à Praça Jerônimo Monteiro, onde está o Jardim de Infância. Da casa sede, próxima dali, Gilberto, religiosamente aos domingos, saia para visitar os enfermos na Santa Casa e, depois, os presos, na delegacia.

No livro em que seu neto João Gilberto traça fatos da vida de Gilberto, está emocionante texto. Fala da realidade da doença de Gilberto, com verdade e carinho. Gilberto tinha doença hoje identificada como "transtorno bipolar do humor" (a doença é relativamente comum, hoje). Com a doença, quando chegava junho e julho, Gilberto, com sintomas de euforia e mania, ocasionava, diz João Gilberto "constrangimentos sociais por seu comportamento" decorrentes da doença, mas "nunca caracterizados por ira ou perversidade".

Recebeu a melhor homenagem em Cachoeiro, em termos de denominação de logradouro público. O Bairro Gilberto Machado é o mais bonito da cidade. Ele mereceu; era o dono da área e soube dividi-la com os cachoeirenses, principalmente na maior obra social da cidade: A Santa Casa. Foi lá que em 16/10/2002, nos 50 anos de sua morte, descerrou-se a placa onde está escrito "Gilberto Machado, Amigo dos Pobres". Era mesmo.

 

EVANDRO MOREIRA (21)

Evandro Moreira nasceu em Cachoeiro, em 27.11.1939, filho de Pedro Moreira e de Lavínia Fonseca Moreira. Estudou em Rio Novo do Sul, no Bernardino Monteiro, na Escola Técnica (dos Herkenhoffs) e na Escola Técnica de Alegre. Formou-se advogado na Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim. Voltou a Cachoeiro, onde fixou residência, depois de morar por longos anos em Januária - MG e em Alegre - ES. Jornalista, dirigiu por 23 anos seu jornal "Mensagem", em Alegre. Fundador e primeiro presidente da Academia Cachoeiro de Letras e de um sem-conta de outras entidades culturais, é guerreiro sem trégua na divulgação histórico-cultural, sempre em profundidade. Funcionário aposentado do Banco do Brasil. Sonetista perfeito em forma e conteúdo, escreveu inúmeros livros, principalmente de poesia, romances e livros históricos (alguns deles romances históricos). É o maior pesquisador vivo da cidade e se ombreia dentre os maiores de todos os tempos. Na área de literatura, seu romance "Pau D'Alho" é dos precursores da proteção ao meio-ambiente. Seus romances históricos "Rancho Alegre" e "O Capitão das Matas", que relatam fatos dos inícios dos municípios de Alegre e de Cachoeiro de Itapemirim, são frutos de intensa pesquisa histórica, à qual Evandro se dedica diuturnamente. Neles, a História é real, apenas as circunstâncias são fictícias. Entre suas importantes obras destacam-se a coletânea "Poetas Cachoeirenses", verdadeiro e único inventário dos poetas de nossa terra (contém biografias e poesias de mais de uma centena de cachoeirenses). Sua obra maior, na minha opinião, é seu monumental "Cachoeiro, Uma História de Lutas". É um herói da cultura, pois a compreensão que recebe é mínima, sendo máximos seu esforço, coragem e perseverança, apesar de tudo e, eventualmente, de todos.

Fosse só citar títulos de seus livros, essas linhas seriam insuficientes. Melhor dizer que bem pouco eu escreveria nas pequenas biografias que reconstituo neste espaço, não fosse a pesquisa que faço nos livros de Evandro (e do Professor Maciel). Sirvo-me, com frequência, de sua orientação e memória. Evandro, hoje, é a única pessoa que conhece Cachoeiro às inteiras, é a fonte mais completa de nossa história. Se não existissem seus livros, não haveria a quem consultar em termos de informações gerais e profundidade. É quem mais escreveu livros entre nós, provavelmente no Espírito Santo. Não é prolixidade. É usina de letras, alguém que precisa desesperadamente escrever coisas boas e verdades (nem sempre coincidem). Ferino, por vezes, tem razões sólidas para tal. Como Quixote, luta contra os moinhos da ignorância, na terra que não tem primado, atualmente, pela cultura, pela história e pelo desenvolvimento social. Vai lançar, neste mês, livro sobre o poeta Newton Braga, de quem foi amigo e discípulo. (textos do ano 2006).


Higner Mansur Advogado, guardião da cultura cachoeirense e, atamente, vereador

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