A lua e o rio - Jornal Fato
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A lua e o rio

Márcia encontrava-se próxima à Ilha da Luz, retornava pela beira do rio em direção ao centro de sua cidade


Foto: Capixaba da Gema

Márcia encontrava-se próxima à Ilha da Luz, retornava pela beira do rio em direção ao centro de sua cidade. Logo, alcançaria as pontes menores e a ponte principal, cartão postal de sua cidade, a Ponte de Ferro: o elo maior entre a cidade, o rio e seu povo. Em seu retorno, já no fim do dia, sem os raios solares, a lua se assanhava entre o Pico do Itabira e o Frade e a Freira. Uma lua gigantesca apresentava-se entre os montes de pedra mais proeminentes de sua cidade e se assentava sobre a grande ponte. Uma bola amarelada, e brilhante, de rara beleza. Pela maneira e local que se encontrava parecia ascender do seu rio. O Itapemirim parecia dar vida à lua. Algo mágico: o rio e a lua. Assim como mágico eram as lembranças dos encontros com Carlos. Lembranças de carícias ardentes; beijos e abraços em corpos suados e cansados. Mas, também, nas lembranças, encontravam-se os instantes de solidão, das incertezas, dos momentos solitários após desejos saciados. Os instantes que se encontrava sozinha em seu quarto de dormir. Caminhava... Retornava junto ao rio, seu companheiro de fins de tarde e anoitecer. Admirava o luar nas casas e nas águas do rio. Observava as pessoas junto ao parapeito, uma separação da avenida, calçadão e o leito do rio. Nem tudo é seguro e belo. O piso do calçadão, castigado pelas águas da enchente, encontrava-se danificado: retirado as pedras portuguesas, as mudanças em uma calçada cidadã não se concretiza após quatro meses de obras. Um paradoxo: a beleza da lua sobre suas pedras e o rio; com os riscos de uma calçada em obras permanente. Natureza e homem se desencontrando. Assim como a sua paixão: uma vida de desencontros. Em suas tardes: a beleza do luar sobre o rio e os passos em perigo pelas pedras encontradas. Em muitos trechos disputava o asfalto com os carros em alta velocidade. Em sua vida amorosa, um desejo intenso de saciar instintos animalescos: olhar e cheiro do ser amado. Alternava desejos e receios. Medo do abandono após instantes de fantasias amorosas. Agora, passado a paixão... Alimentava o medo de revivê-la.

Caminhava... Nada mais esperava da noite. A natureza exuberante afastava o receio do novo coronavirus, estava imune ao vírus, um corpo perfeito com um espírito inquieto. Restavam lembranças e o não saber: valeria a pena os riscos? Apresentava-se com o amor e sexualidade em baixa. A lua ganhava altura, ultrapassava os limites de suas pedras e ponte. Já não iluminava as águas do rio com a mesma intensidade. Mas encontrava transeuntes e caminhantes em euforia. Ela, com o olhar alternante entre lua e o rio, ao retornar à calçada, ao longe, identifica Carlos. Caminhava com dificuldade, aparentava um homem em convalescença, encontrava-se próximo a ponte menor, em frente à igreja. Aparentava um homem cansado e lento. Lento como os seus desejos; lento como seus instintos de sexualidade; lento como seus... Estava acompanhado. Desviou de caminho. Não desejou o encontro. Esperaria algum tempo. Quem sabe na próxima lua cheia. Procuraria no calendário: dia e mês. Esperaria o retorno das garças. Aguardaria o retorno da alegria de seus pássaros.

 

Sergio Damião Sant´Anna Moraes

 


Sergio Damião Médico e cronista

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