Cada doido com seu instrumento - Jornal Fato
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Cada doido com seu instrumento


Em Alegre, tive alguns vizinhos antológicos, ou até estrambóticos. Quando nada, exóticos. Um era o negro Celsino (cuja alma tive de "encomendar"?, por ausência fortuita de padres, na ocasião), que invariavelmente chegava a casa de cuca cheia. Sua mulher, dona Maria, era faxineira autônoma, diligente e também movida a álcool. A cada cômodo, em que completava a limpeza, tinha de celebrar com uma dose de minhas garrafas preciosas, trazidas com tanto sacrifício de Januária e reservadas para ocasiões especiais (segundo José Ogioni, era um desperdício, um pecado até, "beiço grosso"? tomar daquela pinga...).

E Celsino, inspirado nos goles muitos da "mardita"?, punha-se a fazer seresta, sozinho, dentro de sua casinhola, em minha chácara, em altos brados, "imitando"? uma sanfona:

- Nhero, nhero, nhero, nhero, foin, foin, foin, nhero, nhero, nhero, foin, foin. - indefinidamente.

- Pára com essa agonia, Celsino! - Gritava a velha, saturada.

- Deixa eu tocar minha sanfona. - E lá continuava com seu "nhero, nhero, foin, foin"?.

Uma tarde, em vez de chegar até sua casa - naturalmente errou o rumo - adentrou pela porteira da chácara e foi bater à porta de meu campeiro, o velho Mané Bravo. Depois de perturbar muito e ser encaminhado pelo "amigo"? para o caminho certo, convidou:

- Vamo até lá em casa, seu Mané.

- Agora você sabe o caminho, pode ir.

- Ã?, mas eu quero que o sinhô vem também lá em casa.

- Pra quê, Celsino?

- Pra tocar um bocado de sanfona comigo.

- Cê é besta, Celsino. Ocê num tem sanfona nenhuma.

- O quê que tem? A gente toca com a boca, assim... - e demonstrou, ao vivo, como se toca sanfona sem sanfona. Mané Bravo desvencilhou-se do etílico abraço, empurrando-o e se foi resmungando:

- Ã? besta! Eu lá tenho cara de doido?

Pois é, por intransigência de meu campeiro, deixou-se de formar uma dupla que por certo desbancaria muitas outras que por aí estão fazendo sucesso, com músicas imbecis e instrumentos mal tocados. Pela semelhança na arte, posso dizer que Celsino foi o inventor do "funk"?, do "rap"?... e outras porcarias tais.

 

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