Cachoeirenses ainda vivem o medo da maior enchente da história do município - Jornal Fato
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Cachoeirenses ainda vivem o medo da maior enchente da história do município

Neste 25 de janeiro, completa um ano que o rio Itapemirim subiu mais de 12 metros


Cachoeiro de Itapemirim vive hoje a lembrança trágica da maior enchente que o município viveu em sua história. Em 25 de janeiro de 2020, o rio Itapemirim subiu mais de 12 metros acima do seu nível normal, e arrasou casas, estabelecimentos comerciais, prédios públicos, pontes e ruas. O que se via eram pessoas perdidas, sem acreditar no que estavam vivendo e perdendo. E, apesar do ano ter passado, muitos cachoeirenses ainda sentem a dor daquele dia.

É o caso da dona de casa Maria do Carmo, de 60 anos, que mora no bairro Baiminas, e lembra com tristeza do que sofreu. "É revoltante pensar nisso. Moro há muitos anos na beira do rio e a água nunca entrou na minha casa. Eu sei que é a natureza, não tem muito o que fazer, mas é ruim pensar nisso", desabafa.

Ela diz ainda que sempre que o rio sobe um pouco vira sinal de preocupação. "Sempre fico de olho, toda vez que enche um pouco, não durmo. Não é uma coisa que a gente consegue esquecer. Foi um grande trauma, um transtorno, não só para mim, mas para muitas pessoas. Meus vizinhos também não dormem quando o rio sobe. Todos ainda sofrem", complementa.

A dona de casa conseguiu salvar muitas coisas na época, mas também perdeu muitos móveis. "Com o dinheiro do governo, de R$ 3 mil, consegui recuperar bastante coisa, mas ainda falta. O restante a gente consegue devagar", finaliza.

Para a cabeleireira Glorinha Frade, que também teve a casa atingida pela primeira vez por uma enchente, esse foi um dos dias mais angustiantes de sua vida. "Perdi muita coisa: as portas de casa, tanque de lavar roupa, armários, mas na verdade não só bens materiais, a gente perde também o ânimo de ficar na casa da gente", diz.

A profissional diz que após a enchente conseguiu fazer uma pequena reforma na residência, contudo não consegue mais fazer projetos para o imóvel. "Não tenho mais vontade de ficar na casa. Chega fim de semana tenho vontade de sair. Ainda sonho com aquela enchente. Quando me lembro daquele mundo de água chegando, bate uma angústia e tristeza", complementa.

Marciano Marques, dono da loja Brilho das Noivas, que fica na 25 de Março, disse que conseguiu tirar muitas coisas do estabelecimento e perdeu apenas os móveis modulados, que não tinham como ser desmontados a tempo. "Já vínhamos nos prevenindo de outras enchentes, então não tivemos grandes perdas e conseguimos nos restabelecer rápido", comenta. 

Ele lembra que um amigo questionou o fato dele ter tirado tudo da loja. "Um amigo disse que o rio não ia subir tanto, e acabou acontecendo aquela tragédia". 

Marciano ainda fala que tem a lembrança de comerciantes chorando no meio da rua, porque perderam quase tudo. "Muitos não acreditaram que o nível da água ia subir tanto. Foi bem doloroso. Lembro que a 25 de Março ficou quase um mês parada para limpeza. A enchente deixou marcas profundas", termina.

Para Danielle Bravim, proprietária da tradicional loja de instrumentos musicais, Citron, essa foi a pior experiência de sua vida. "Já vínhamos sofrendo com uma economia ruim. Nós do Centro já estávamos sofrendo há muitos anos com a mudança de trânsito, e aí, quando foi implantado o rotativo, que nos deu esperança de movimento melhor no comércio local, veio a maior enchente da história de Cachoeiro. Foi muito triste, porque não afetou só a gente, afetou todo um lugar, todo um setor, porque não adiantava dizer que não perdeu nada, que ia reabrir em uma semana, isso era impossível se a rua não estava em condições de passar, andar, com lojas fechando e pessoas desistindo. Havia gente sem esperança no olhar. Foi bem dificil", comenta. 

Ela conta que não perdeu mercadorias, mas perdeu toda a estrutura da loja. "Não tínhamos noção do tamanho da enchente. Demorei, com 15 pessoas, três horas para tirar meu estoque do nível da rua, e ainda ficou alguns produtos na loja. Quando vimos que o nível da água estava subindo muito, saímos com água no peito para terminar de tirar o restante da mercadoria. Todos os meus colaboradores foram essesciais naquele dia, senão teria perdido muita coisa". 

A empresária, depois de tirar tudo, percebeu que a água não parava de subir. "Foi a noite que a gente passou acordado para ver até aonde ia a água, porque, na minha situação, se subisse mais dez centímetros, eu perdia muita coisa. Não consigo nem mensurar o prejuízo, mas acredito que seria de uns R$ 500 mil. E depois que a água parou de subir, ficamos na expectativa de ver o que foi danificado. Foi bem difícil ver aquela cena toda, foi duro, muito difícil arrumar tudo, trabalhar na bagunça. Foi dado alguns benefícios, mas nem tanto como foi amplamente falado, se você pegava um empréstimo, ficava com uma dívida que antes não tinha, então, foi uma ajuda, mas ajuda que endividava", complementa. 

Danielle fala ainda sobre a pandemia. "Quando a gente fechou para a pandemia, comentei que eu não tinha ficado com a loja aberta metade dos dias úteis daquele início de ano. Fechamos 30 dias total, depois abrimos com restrições. Então, 2020 é o ano de quem sobreviveu e está comemorando. Estamos erguendo a cabeça, o rotativo aqui na praça ajudou, movimentou um pouco mais, mas não sei se consegui recuperar tudo. Temos que continuar, ter fé, força, mas acho que a enchente foi a pior coisa que aconteceu, que a gente não imaginou que viveria", finaliza.

Pessoas atendidas

Durante a enchente, 4.202 pessoas de 1.441 famílias afetadas foram atendidas pela Secretaria de Desenvolvimento Social (Semdes); 1.428 cestas de alimentos foram entregues, 2.232 colchões e diversos outros itens essenciais.

Posteriormente, a secretaria realizou 1.624 cadastros no Cartão Reconstrução, um auxílio do governo estadual de até R$ 3 mil para famílias afetadas pelas chuvas. Os cartões entregues resultaram em um repasse de R$ 3,855 milhões do benefício. Com o Mutirão da Cidadania, foram feitos, ainda, três mil atendimentos a pessoas que necessitavam da segunda via de documentos perdidos, dentre outros serviços.

Além disso, 2.831 consumidores receberam subsídio na conta de água do mês de maio, após aprovação de projeto de lei (desconto correspondente ao valor de consumo de 10 metros cúbicos) e prazo de pagamento do IPTU de imóveis atingidos foi prorrogado. A prefeitura também fez a mediação para a liberação do saque do FGTS de vítimas da enchente, em março.

Outra ação foi a vacinação contra hepatite A e outras doenças, tendo em vista a possibilidade de surgimento de doenças infecciosas em quem teve contato com água suja e lama.

 

 

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