Seres Fantásticos - Jornal Fato
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Seres Fantásticos


"Coitada da Denise", disse Wagner Medeiros ao saber que eu havia tomado duas vacinas no mesmo dia. Coitada mesmo! Essa frase, apesar da imensa dor que estava sentindo, e ainda estou, porque a vacina antitetânica dói horrores, me transportou a um momento agradável da minha adolescência.  Tempo, em que convivi com umas das pessoas mais incríveis que conheci. Cristina, filha amada do Seu Irlando Viana e Dona Dayse, pais de Humberto, Delamário e Irlando.

 

Cristina era especial em tudo, não somente pela Síndrome de Down. Mas também pelo carinho que tinha com as pessoas que ela amava.  Eu tive o prazer de ser amada e amá-la intensamente.  Mas antes da Cristina, quando moramos no Basílio Pimenta, tinha como vizinha a Fatinha, um doce de menina.  A gente conversava pela janela.  Sem conseguir falar meu nome direito, ela gritava: Dinisi.

 

Eu aparecia, trocava um dedo de prosa com ela, e já era o suficiente para ficarmos felizes. Ela usava tranças que combinavam muito com a pele morena, parecia uma índia. Apesar disso fazer muito tempo, lembro nitidamente do rostinho dela. Sua rotina era ir à Apae ou ficar debruçada naquela janela, horas e mais horas. Ali, jogava beijos que tocavam suavemente a minha face.

 

Pouco mais tarde, quando mudamos para o Amarelo, conheci Cristina. Caçula de três homens, ela era a rainha da casa. Generosa, como toda criança, tinha as suas particularidades, entre as quais amava ouvir LPs. Tinha uma coleção enorme. Atenta aos lançamentos, ganhava todos. Os pais davam a vida por aquela linda criança. E ela era fã de Roberto Carlos, das músicas românticas, as quais curtia maior fossa, no seu imaginário puro e inocente. Cristina tinha um estado de espírito invejável, uma mistura entre o humor baiano do pai e a altivez da mãe, funcionária de carreira dos Correios, uma mulher admirável, conhecida como Dona Dedesa.

 

Mas o que me fez lembrar de Cristina, foi que ela também dizia: Coitada da Denise quando ela resistia em tomar banho ou desligar o som já altas horas da noite, e eu dizia a ela. Assim, eu vou chorar! E ela respondia: Chora não, Coitada da Denise! Ou então, quando as minhas chantagens não surtiam efeito, ela zombava de mim e dizia gargalhando: Denise gosta!!!

 

Graças a Deus, fui provida de uma paciência imensa com crianças assim. Hoje quando passo pelo ônibus da APAE, não consigo deixar de buzinar, pois sinto que eles estão sempre ávidos e muito receptivos a qualquer gesto de carinho.

 

Nessa correria do dia a dia, fico me prometendo que ainda vou arrumar um tempo para me dedicar a esses seres especiais, carinhosos aos quais tenho afeto. Viva Cristina, que do céu, deve estar olhando pra mim e dizendo: Coitada de Denise!


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