Palavra acesa - Jornal Fato
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Palavra acesa


 

"Tinha desejos incontroláveis de riscar o papel, latejavam seus pulsos para que a sua voz contaminasse a escrita. Serenavam verdades e as palavras amaciavam suas ideias...". Dia 25 de Julho é o dia do escritor, mas considero todos os dias como o dia daquele que precisa sentenciar toda a sordidez e beleza humana por meio das palavras, transformando significante em significados (Saussure), sonhos em possibilidades.

O escritor é aquele que se coloca como o porta-voz do imponderável, daquilo que deve ser dito, porém, por muitas vezes, é enviado para os subterfúgios. É capaz de desnudar o que se coloca diante de nós, mas que negligenciamos. Ele é o precursor das certezas e indagações que precisamos conhecer. Sem o escritor, não há registro, não há aspirações. E sem as vontades e os sonhos, morremos entre as cinzas e os vácuos que nos contaminam todos os dias.

Como sujeitos, colocamo-nos à beira do precipício, vivendo a dicotomia da liberdade e do conformismo. E é a escrita que amacia, costura e ao mesmo tempo corta nossa pele bem no profundo para que a dor nos faça reinventariar anseios e o embate. Não há mudança sem palavras, sem a evocação de discurso.

É a palavra que possibilita o voo, possibilita que cavemos o infinito. É o escritor que inunda o caos tão necessário para que deixemos o repouso e a anestesia, injetados várias vezes em nossa alma, para que anunciemos homens dispostos a pensar. Homens dispostos a vencer a danação humana e que se tornem famintos. Uma fome que, de modo algum, deve ser saciada.

Escrevo porque tenho uma fome que não passa. E, por conta dela, desejo que o outro não se sacie. Desejo que o outro se contamine e que, para isso, não haja cura. Escrevo para que o outro tenha sorrisos, mas saiba o porquê das gargalhadas, desejo que o semelhante tenha poesias nos olhos, invisto para que você tenha grito e não renuncie a voz. Escrevo para que a vida ganhe sossego e que nossos pensamentos tenham desordens, pois eles alimentarão mudanças.

Não quero que você seja lampejo, que tenha luz branda e passageira. Desejo que entre em brasa, erupção incessante. A escrita queima, evoca e emancipa. É o devaneio das realidades; a certeza das problematizações. O escritor é o ourives das joias mais raras, das belezas jamais inauguradas, dos hemisférios jamais indagados.

Ser escritor é ter a lâmpada para o que ainda encontra-se adormecido, escuso, preso, empoeirado. É ele que não deixará que renunciemos as nossas quimeras, é ele que trará o carvão para que mantemos a fogueira em meio a tantos invernos. O escritor é a poesia de um dia melhor, pois é a escrita que revigora, abastece e acende nossa alma.

 

Simone Lacerda é professora.

cheirosensaiosepoesia.blogspot.com.br


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