Negritude e Invisibilidade - Jornal Fato
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Negritude e Invisibilidade


Não é coisa de preto estar na galeria dos heróis nacionais. Como as mulheres, os mártires negros foram apagados da história.

 

Só aparecem, de forma pejorativa, na sociedade antiga ou contemporânea, "sujando na entrada ou na saída", preguiçosos, indolentes, mal educados e responsabilizados pelo atraso nacional desde o Brasil Colônia.  O que mudou desde então? Há o que comemorar neste 20 de novembro?

 

No Brasil de hoje, teoricamente livre, continuam sendo vistos por muitos como os "tigres" fedidos do início do Século XIX, que serviam apenas para despejar fora fezes e urina de seus senhores. Para fazer o trabalho pesado e sujo. 

 

Mas mesmo diante das privações, sem ter trabalho e esforço reconhecidos (nada incomum para escravos, claro), muitos se levantaram contra o domínio português tanto na linha de frente, como nos bastidores, traçando estratégias e "panfletando".

 

O Estado da Bahia nos dá exemplo disso com a Conjuração Baiana, ocorrida em 1798, e que foi considerada a primeira revolução social do Brasil. Havia negros que sabiam ler e escrever e assumiram o protagonismo de uma luta que atendia principalmente as insatisfações financeiras da elite, mas também a esperança de se tornarem forros, quase um século antes da Lei Áurea. 

 

Foi nessa época de enfrentamento que começaram a aparecer boletins manuscritos, colados em pontos estratégicos, anunciando uma revolta e convocando o povo "bahinense" a lutar. Esses "panfletos" eram os chamados avisos, estratégia de propaganda política posta contra a Coroa portuguesa. E produziu seus mártires, que, apoiados inicialmente por parte importante da elite baiana, foram abandonados no meio do caminho, e lançados à própria sorte. Um foi denunciado pelo próprio dono, que o mandara participar do movimento.

 

Se o negro queria liberdade, os fazendeiros e traficantes de escravos, que tinham negócios escusos com o governo local, queriam redução dos abusivos impostos e outras benesses.

 

A Conjuração Baiana foi tão significativa que provocou medidas drásticas por parte da Coroa, que culminariam na morte por enforcamento e esquartejamento de quatro negros, identificados como os autores dos boletins ou avisos. 

 

Da "sindicância" que os identificou participaram os até então companheiros, a elite que os patrocinava. As mortes ocorreram após "devassas" (processos criminais) sem nenhuma isenção, óbvio. Mesmo apontando nomes de grande fazendeiros e traficantes de escravos como companheiros de lutas, foram ignorados. O objetivo era exterminá-los, não aos donos das grandes riquezas de então. Extermínuo para dar exemplo e mostrar quem manda.

 

Os mártires baianos não estão na galeria de heróis. O que impediu isso foi a cor de suas peles. João de Deus do Nascimento, Manoel Faustino, Luiz Gonzaga das Virgens e Veiga e Lucas Dantas de Amorim Torres, os negros que foram peças fundamentais da Conjuração Baiana, não entraram para as páginas da história como mártires da inconfidência baiana, embora tenham sido tão fundamentais para o país quanto o branco Tiradentes para a Inconfidência Mineira.

 

Muita coisa mudou, mas ainda há quase tudo a ser feito. O lema da Revolução Francesa, que tanto inspirou os baianos do Século XVIII, precisa valer para os "pretos" dos dias atuais. Igualdade, liberdade e fraternidade precisa ser mais que um sonho. É preciso, mais do que nunca, cassar a licença para matar jovens, pobres e mulheres negras.

 

Se os heróis negros foram apagados da história, suas palavras ecoam até hoje.

 

"Animai-vos, povo bahinense, que está para chegar o tempo feliz da liberdade. O tempo em que todos seremos irmãos, o tempo em que todos seremos iguais".


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