Moça - Jornal Fato
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Moça


Sozinho e cansado do trabalho, resolveu escrever para ela:

 

"Moça, desde que você entrou na minha vida tudo mudou. Eu já não me sinto sempre tão sozinho, e ter você por perto é como se as luzes estivessem todas acesas. Gosto da sua presença com barulho de copos, panelas e risos. Mas gosto também quando sua presença é silencio, seja qual for o motivo de sua quietude. Gosto quando sinto seu cheiro de banho tomado no meu banheiro, das suas bolsas coloridas espalhadas pela casa, de tropeçar em algum sapato seu que ficou pelo caminho enquanto tirávamos a roupa.

 

Moça, embora eu não diga, acho que você é a mais linda de todas. Acho bonito quando pinta a boca de vermelho ou quando não usa maquiagem - até prefiro assim.  Gosto quando usa vestido, do seu jeito de tirar o brinco e de me abraçar de surpresa. Gosto quando me beija como se fosse a última vez e do jeito com que abre o botão da minha calça. Gosto quando acorda devagar e anda na ponta dos pés para não fazer barulho e gosto também do café, da massagem e de como coloca o seu coração em tudo o que faz. Gosto da forma como trata as pessoas, de como tem paciência comigo quando estou errado e do seu jeito desastrado de dirigir um carro. Eu gosto de quase tudo em você, até de coisas que talvez eu não gostaria em outras pessoas.

 

Moça, eu te amo."

 

Leu e releu o texto algumas vezes. Imaginou a felicidade dela se todas essas coisas lhe fossem ditas. Sabe que os olhos brilhariam, e que veria isso mesmo que a lâmpada estivesse apagada. Sabe que ela o abraçaria e que talvez até chorasse, desses choros suaves de alegria. Sabe que, naquele momento, faria dela uma mulher exageradamente feliz, e nisso pensou sorrindo, porque até dos exageros dela ele gostava.

 

Mas achou que não estava pronto. E fechou o editor de textos sem salvar o documento.

 

Dormiu então, embalado menos pelo efeito do remédio de tarja preto, e mais pelo cheiro que ela havia deixado em sua cama na noite anterior.


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