Manifesto do amor - Jornal Fato
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Manifesto do amor


Começo este texto com um trecho lindo de Mia Couto "Foi para ti/que desfolhei a chuva/para ti soltei o perfume da terra/toquei no nada/e para ti foi tudo"* , visto que falar de amor ameniza toda forma de sisudez, egoísmo e toda espécie de gente ranzinza. É, no amor, que encontramos espaço para sermos o ser mais bonito que somos, sem medo de que  rugas, rigidez ou tolices vençam nossa melhor porção.

 

E amar nos humaniza demais ao mesmo tempo em que nos aproxima da divindade. Vivemos extremos no amor e (des)centralizamos necessidades. Amar nos dignifica e recondiciona nossos desejos, daqueles de querer bem ao outro antes de nós mesmos. O amor, realmente, vence toda forma de lucidez e egoísmo, e isso é muito bom.

 

Perambulamos em o nada e tudo em segundos para que o ser amado esteja próximo, esteja perto e se reflita em sua face um pouco de nós. Queremos ter "parecência" com o outro, nos ver estigmatizados nos seus pensamentos, atitudes e discursos. E, quando amamos, principalmente, na fase da paixão, procuramos, com delicadeza, com pinça, as palavras mais apropriadas, mais agradáveis para dar ao outro.

 

E, mesmos nas asperezas das brigas, assinamos a sentença do arrependimento, haja vista o querer em se manter sob o toque e olhar do outro. "Amo-te como se amam certas coisas absurdas", já poetizou Neruda, porque amar é jogo de absurdos, de incertezas que dispomos viver, pleitear. Por mais que haja brigas, quedas, cortes, queremos pagar para ver, e como queremos, e desfrutar do abraço em dia de chuva, do beijo junto ao café da manhã, do recebimento de mensagem sem esperar, da dor" que desatina sem doer" (Camões).

 

O amor vence o inesperado, o que nos comove e adoece. E, nas contrariedades, viramo-nos bem. Recriminamos alguém que se doou, porém, acalentamos dar parte de nós para o ser que tirará nosso coração porque permitiremos. Nossa condição de humanidade só existe graças a esse inesgotável sentimento. O sentimento que interpele nossas carências, nossos vazios, nossa soberania, preenchendo as falências e precariedades.

 

Manifestemo-nos sobre o amor. Invadamos becos e ruelas e gritemos o quanto somos felizes, mesmo que infelizes, ao amar. O quanto somos agraciados por ter alguém que partilha conosco os troféus e entulhos; os céus e infernos, a cadência do coração e da alma e as intempéries do sempre cotidiano.

 

O amor é o sentimento que nos salva dos naufrágios, mesmo que, por azar, não consigamos esquivar-nos dos afogamentos. Ele é capaz de promover e levar-nos ao cenário que desejamos habitar. Lá, sonhamos com casinha de sapê, Pasárgada e castelos, pois o amor é o nosso mais lindo e verdadeiro sonho. Amemos!

 

*poema: Para Ti

 

Simone Lacerda é professora.

cheirosensaiosepoesia.blogspot.com.br


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