Depois do Desespero - Jornal Fato
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Depois do Desespero


Dizem que não há escuridão tão longa que perdure. A minha, particularmente, durou até a chegada da faxineira. Não sei precisar a quantidade de dias em que estive submersa na escuridão do meu apartamento fechado, isolada, por vontade própria, de qualquer coisa que não fosse uma garrafa de vinho, um sofrimento enorme e uma boa dose de autopiedade. Sei que Marta me tirou do chão, me ajudou com o banho e me obrigou a tomar uma xícara de chá. Sei que quando ela abriu as janelas meus olhos doeram e a corrente de ar me fez tremer: só não sei se de frio ou de medo da certeza de que, lá fora, a vida continuava, e eu teria que enfrentar isso sem você. De forma definitiva.

 

Havia muito a ser feito. O estrago foi grande. Mas ainda bem que a vida é essa coisa enorme e repleta de possibilidades! Caprichei na depilação, cortei o cabelo e raspei o limite do cartão de crédito em uma passagem. Conheci outras pessoas e outros lugares, e, apesar da sua presença constante na minha circulação sanguínea, arrisquei deixar que um estrangeiro me tocasse. Ah! E como ele me tocou! Disse em uma noite tudo que esperei de você durante anos. As mentiras sinceras, mesmo ditas em outro idioma, me tocaram mais que suas verdades veladas. Você esteve presente todas as noites, como espírito que não encontra o caminho da luz e sai por aí vagando. E apesar da sua insistência eu até consegui ser um pouco feliz. Ri alto de piadas ridículas, dancei sem pensar na possibilidade de que alguém me observava e cantei pela primeira vez, desde aquele dia em que você disse que eu desafinava.

 

Voltei sem dinheiro, mas com a pele bronzeada e a intenção de reconquistar aqueles amigos que você desprezava. Eles não prestavam para mim, você dizia. E eu acreditei. Ma acho que prestam sim. Se não para me acompanhar à igreja, prestam para falar mal de você, o que atualmente é necessário. Não tenho como pagar análise.

 

Não tem mais volta, você disse. E agora eu acredito.


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