Caricato e burlesco - Jornal Fato
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Caricato e burlesco


No Brasil existem dois países: o oficial e o real. O Brasil oficial seria o país dos privilegiados, dos brancos. E o Brasil real seria o dos mais pobres. Textualmente: "O país oficial é caricato e burlesco, o real é bom e revela os melhores instintos". 

 

As palavras são do escritor Machado de Assis e foram escritas num artigo em 1861. E diante dessa lembrança, recordei imediatamente de uma palestra de Ariano Suassuana, quando alertava para a importância de nos livrarmos das ideias frívolas e da visão superficial do mundo e do ser humano.

 

Dizia Ariano que se não ficarmos atentos e abrirmos bem os olhos, corremos o risco de ficarmos burlescos, no pior sentido da palavra. De provocar riso ou zombaria pela extravagância ou ridículo.

 

Fez o alerta porque num jantar em sua homenagem na casa de um milionário, quando foi abordado por uma senhora que se surpreendeu por ele nunca ter ido a Disney. "Como, foi aos Estados Unidos e não foi a Disney?"

 

Ele então informou que nunca saíra do país. Divertidamente, percebeu a decepção da mulher, mas não se abalou. Outra coisa que chamou a atenção do grande Ariano foi o fato daquela milionária, mãe de três adolescentes, dizer que o problema dos filhos na escola era que os professores não tinham nível suficiente para conviver com eles.

 

Diante da suposição de genialidade dos meninos, a mãe se encarrega de esclarecer. Não era nível intelectual. Era nível econômico. Dizia que quem não tem nível econômico não merecia respeito. "Como o meu filho vai respeitar um professor que não fala das mesmas aquisições que ele, que não conhece e nem sabe do que ele está falando"?

 

Dois anos após a morte do grande escritor, a preocupação ainda deve ser a mesma. E deve partir de cidadãos comuns. Até quando vamos permitir que ideias frívolas e superficiais norteiem nossos passos e ações?

 

Até quando vamos adotar uma visão superficial do mundo e do ser humano e nos calar ante as aberrações apenas para nos sentirmos integrados e aceitos pelos que habitam no Brasil oficial, sendo nós do País real (que é sim bom e tem muitos valores)?

 

Abrir mão da essência para ser aceito é coisa de adolescente que usa drogas e álcool para fazer parte de uma tribo. É carregar angústias por não termos "nível" para conviver com algumas pessoas. É vender a alma ao diabo para tentar consumir as mesmas marcas e produtos que as pessoas do Brasil oficial.

 

Protesto contra esse Brasil oficial que só tira direitos e trata aos do país real como cidadãos de segunda categoria. Respeito é bom e todo mundo gosta. Mas nesse caso, presumo que não será dado. Terá que ser conquistado com muita luta e a duras penas. 


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