Ana se redescobre - Jornal Fato
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Ana se redescobre


(último capítulo)

 

É uma despedida definitiva. Não haverá mais e-mail, carta, telegrama, tambores ou sinal de fumaça.  Página virada. Beto é uma história distante que não sei como aconteceu. Aliás, hoje, é como se a minha vida tivesse sido um grande experimento para que eu chegasse até aqui. Sou resultado da minha história, mas um resultado bom, apesar de todas as tragédias. Sou uma sobrevivente que teve a chance de se reinventar. Não vou perder essa oportunidade por nada na vida.

 

Sabe quando você encontra alguém que no primeiro olhar justifica toda a sua vida? Eu encontrei, Beto. E foi tão lindo, tão de verdade, tão amorosamente forte, que eu quase perdi. Quase perdi porque achei que esse sentir-se bem constante não era para mim. Quase neguei o que era meu por direito, por merecimento e por uma conspiração dos milagres que o universo realiza no destino de todos nós. Ser feliz é uma missão que nos é dada antes do nascimento. Agora que eu entendo isso, chega de sabotagem.

 

A pessoa que mudou minha vida hoje está se mudando para minha casa. Nos encontramos aqui mesmo, no meu prédio. Ela morava no mesmo andar e eu ainda nem tinha me dado conta da presença dela aqui. Até um dia em que eu abria a porta para entrar e ela abria a dela para sair. Nos olhamos e pronto. O cupido ou seja lá o que for que provoca isso nos atingiu em cheio. Já era amor antes mesmo de ser.

 

Essa despedida talvez não tenha razão de existir. Mas eu precisava disso. Gosto das coisas definitivamente acabadas para que não pairem dúvidas. Aquela Ana que parou em hospitais, delegacias e no fundo dos poços mais profundos morreu, e levou você junto. Incrível foi que passei a vida inteira tentando fazer isso da pior forma possível. Morrer e matar. Partir e te levar comigo. Agora morre o pior de mim e leva junto tudo de você. Estou me despedindo de um morto. Mas não guardo luto. Dentro de mim cabe apenas uma vontade imensa de viver, uma alegria sem fim e um amor que me parece o maior do mundo.

 

Não foi fácil ceder aos encantos de Marina. Ela foi me conquistando aos poucos. Começou me fazendo enxergar e entender o quanto eu era especial. "Quem é Beto para fazer isso com você?",  ela me perguntou. Desde então não parei de pensar nisso. Ninguém, Beto. Você não e ninguém. Nunca teve o direito de fazer o que fez, mas teve minha permissão, o que me torna a única culpada por tudo isso.

 

Marina me trata com carinho. Toca em mim como quem pega uma pluma. Me beija com calma e profundamente. Nunca grita, nunca reage com violência, nunca me diminui. Pelo contrário, diz a todo momento que sente orgulho de mim. Nunca ninguém sentiu orgulho de mim, Beto. Nunca. Ela me olha e enxerga minha alma. Realiza meus desejos antes que eu os verbalize. Ela me curou de você e de mim mesma.

 

Adeus, Beto. Não há mais espaço para você e para nada que com você tenha relação. Na liberdade que eu descobri que existe, escolhi Marina. Caminho sem volta, com todos os sinais de que a felicidade, agora sim, vais ser para sempre.


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