Abandono - Jornal Fato
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Abandono


Não vá embora hoje. Já é janeiro e podemos ir à praia. A água do mar, dizem, tem poder curativo. Pode salvar nossa relação doente e ainda tomaremos sol. Você vai me olhar com outros olhos quando eu estiver bronzeada com a alcinha da camiseta revelando a marquinha de biquíni. Não me deixe em fevereiro. Sofrer por amor em pleno carnaval é covardia. Duvido que você curtiria em paz sabendo que eu estaria trancada em casa chorando ou atrás do trio elétrico competindo com as jovens garotas quem de nós beijaria mais rapazes. Também não me largue em março, porque as águas chegam para fechar o verão e a chuva me deixa deprimida e com os pés molhados. Eu poderia até me matar! Ah, meu amor! Abril também não pode. Você sabe que eu adoro chocolate e seria um desperdício passar a páscoa chorando. É a única época do ano que eu me entupo de doce. Não é um tempo confortável para viver sem fome. Em maio já é outono e é sempre esse o mês que começamos a planejar nossa viagem de férias, que por acaso ano passado não fizemos. Nem o ano retrasado. É uma boa oportunidade de partirmos para um lugar qualquer. Querido, junho é o mês das festas. Muito sem graça esse lance de quadrilha sem par. Vamos comer milho, paçoca e cocada. Não faça essa desfeita de me deixar sozinha no arraial. Não, não. Junho não. Nem julho. Julho é um mês de ensaio de férias, de cheirinho de inverno e de noites regadas a vinho e ótimas conversas. Excelente oportunidade da gente se entender. E como dizem que agosto é o mês do desgosto, vamos reverter a crendice popular e sorrir mais do que nunca. Sejamos, em agosto, o casal perfeito que éramos quando começamos a namorar e derrubar os mitos por terra. Lembra que adorávamos fazer isso? Em setembro chega a primavera, e com ela a esperança de dias melhores e mais coloridos. Vamos nos apegar nisso e tomar impulso nas flores para terminar mais um ano. Outubro é meu aniversário. Obvio que um não deve partir quando é aniversário do outro. Quem no mundo sobrevive a uma mudança de idade regada com dor de cotovelo? Eu não, meu bem. Eu não. Novembro já começa pesado com esse feriado de finados. Não pode me deixar ir ao cemitério sozinha. Não pode me deixar fazer nada que não seja com você. As festas de final de ano estão chegando e eu me sinto muito triste com elas. Não parta em dezembro. Fico louca de cansaço e de angustia nos últimos trinta dias do ano. A movimentação de presentes e comida e bebida e festas me enlouquece. Como passar por isso sem você? Não tem como. Desista.

 

Vem aqui que vou te ajudar a desfazer as malas. Não vá hoje e nem amanhã. Qualquer dia é um péssimo dia para o abandono.

 


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