Longevidade: mulher de 102 anos publica 3º livro de memórias - Jornal Fato
Cachoeiro

Longevidade: mulher de 102 anos publica 3º livro de memórias

Com lucidez invejável, autora rememora infância e proporciona viagem no tempo


- Foto: Divulgação

Havia uma expectativa. Quem seria aquela autora, centenária? Entre janeiro de 2021 e junho de 2023, publicara a trilogia Memórias de Madalena.

As primeiras edições despertaram a atenção na redação, quando surge a informação de que o terceiro livro saíra da gráfica.

Então, a convite de seu filho, o escritor Roberto A. L. Barros (autor de A incrível história da cidade dos pergaminhos perdidos), a reportagem do Jornal ES de FATO teve a oportunidade de conversar com Madalena Machado Leal de Barros, in loco.

Lembrávamos, em flashes, de trechos de seu primeiro livro, o de subtítulo "Álbum de Família" e também do volume 2, "Crônicas de Família", quando "Retalhos do Meu Tempo", o terceiro volume, foi lançado.

Os três, com suas crônicas de lembranças - remontando aos "Tempos Antigos", "Tempos Modernos" e "Memórias Contemporâneas" -, já destacadas em matéria jornalística publicada anteriormente (confira: https://www.jornalfato.com.br/cultura/mais-de-um-seculo-de-boas-lembrancas-,430196.jhtml).

Nascida em 1º de junho de 1921 no Sítio da Laje, localizado no Cravo, então pertencente à Fazenda da Verdade (Muqui-ES), a autora é descendente das famílias Rosa Machado e Gomes Leal. Reside em Cachoeiro de Itapemirim desde 1972.  

Em conversa descontraída, a centenária impressiona pela lucidez e proporciona uma viagem no tempo, no seu tempo, da longeva vida em plenitude. Privilégio dos mais desejados.  

 

 

O que a autora Madalena conta à reportagem do ES de FATO:

"Quando eu era mais nova, eu não relembrava mais o passado... quase não lembrava de nada porque eu tinha o trabalho: costureira, tinha os filhos para dar conta, que graças a Deus nunca me deram trabalho depois que o pai faleceu, só me deram prazer na vida, e eu também só vivi para eles.

Agora, já tem um tempo que eu venho recordando algumas coisas, recordar só coisas boas, porque ninguém passa na vida só num mar de rosas.

Lá onde eu morava só a casa que é a mesma, e tem o moinho de fubá antigo, que meu pai construiu há mais de 100 anos, que é o mesmo, e que agora foi restaurado. (ES de FATO: 'e que até vira atração turística').

Nós éramos em 12 irmãos, e mamãe também acolhia pessoas que não tinham onde morar. Teve dois que viveram lá em casa a vida toda. O Manoel de Souza (que nem sobrenome tinha) chegou criança, mamãe foi cuidando dele, e até ajudava em alguma coisa. Teve o Josino (numa época em que era só fogão a lenha), que cortava lenha, trazia água da bica para dentro de casa, porque não tinha água encanada e a nascente não ficava na porta da cozinha, pois era longe".

 

 

ES de FATO: morou em Campos dos Goytacazes também, não é mesmo?

"Sim, moramos lá uns quatro anos. Fui a Campos 'buscar' o meu filho mais novo, temporão, que em Campos nasceu no mesmo bairro (Goytacazes) que o pai nasceu e tem o mesmo nome do pai, Miguel, campista também. Meu filho nasceu no local em que o pai dele havia nascido".

 

 

ES de FATO: Dona Madalena, a senhora acaba de lançar o terceiro livro, terceiro volume. Tem intenção de continuar com suas lembranças?

"Eu acho que não tenho mais lembrança nova, não. Porque, na verdade, eu contava as coisas e nem pensava em publicar livro".

 

 

ES de FATO: mas conte-nos mais sobre os hábitos na propriedade de sua família em Muqui, no início do século passado.   

"No meu tempo, lá na roça, era arroz socado no pilão, mas isso foi bem antes, porque depois (em São Luiz), no tio Zezé, tinha máquina de pilar arroz, pilar café. Quase toda semana lá em casa fazia moagem para garapa ou para fazer açúcar mascavo, que a gente falava açúcar batido, melado. Mamãe comprava açúcar branco só para ela fazer o bolo de nata ou para visitas. Na verdade, sempre tinha um comércio com açúcar cristal vendido a quilo. Eles falavam 'secos e molhados'. A carne que a gente comia naquele tempo era só de porco e galinha. Carne de boi só quando caía um boi em pirambeira. Não tinha geladeira, vendia por qualquer preço. Lá em casa nunca aconteceu de cair boi em despenhado, mas por lá acontecia, às vezes, e então papai comprava".

 

 

ES de FATO: e sobre a lavoura na região sul capixaba grande produtora de café, principal produto brasileiro na época.

"Café, tomei toda a minha vida, até hoje. A nossa lavoura era café. Papai precisou fazer derrubada para formar lavoura. Até hoje eu me lembro, quando eu já era grandinha, aquela lavoura, quando estava em flor, toda branquinha de flor e aquele perfume, porque o perfume vai longe. Enfileiradinha, toda certinha. Eu adorava, quando era época da flor do café".

 

 

ES de FATO: a boa alimentação, enquanto morava no interior (até os 40 anos de idade), e depois o retorno à alimentação saudável agora, há pouco mais de 40 anos, pode ser uma explicação para a invejável saúde?

"Nossa alimentação lá tinha horta sempre (mamãe nunca ficou sem horta), e na roça, na época da serralha, era nativo, colhia balaio de serralha pra porco, e nós, a gente comia serralha à vontade. Eu me lembro de um dentista falar com o José (meu irmão mais velho). Perguntou qual verdura a gente usava, e lá em casa todo mundo gostava de serralha. E ele disse: come serralha mesmo, porque serralha é muito bom para os dentes. Só não lembro o que disse que a serralha tinha. Taioba era nativa, inhame era nativo pelas beiras dos córregos. Quase nada precisava ficar plantando, porque na horta mamãe cultivava também plantas para chá".

 

 

ES de FATO: também bebiam muito leite de cabra?

"Além das vacas, sobrava leite e mamãe sempre fazia queijo. Lá em casa mamãe fazia questão de ter sempre duas ou três cabras de leite. Mamãe, uma vez, emprestou uma cabra para a mãe do doutor Jessé (requisitado médico). Eles moravam em São Domingos (localidade vizinha), ficou com eles enquanto precisaram. Carne de cabrito a gente comia de vez em quando, mas comprava (tinha muita gente por lá que vendia), porque cabrito lá de casa não matava: a gente ficava com pena".

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