Conexão Mansur: A Coleção Gil Gonçalves - Jornal Fato
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Conexão Mansur: A Coleção Gil Gonçalves

Para os fins deste escrito meu, fixo-me na entrevista de Gil Gonçalves


- Ilustração: Zé Ricardo

Em 1985 - portanto há 38 anos passados - o jornalista Luzimar Nogueira Dias publicou um livro de entrevistas abordando coisas de Cachoeiro, abarcando principalmente, mas não só, as lutas políticas na cidade, na década de 1930; 1935, principalmente. São 9 entrevistas que ele fez com cachoeirenses importantes. Essas entrevistas avançavam pelo tempo, cada qual delas focalizando coisas mais diretamente ligadas à atividade pública, história e cultural de cada entrevistado em nossa Cachoeiro de Itapemirim.

Na capa do livro de Luzimar ("Inconfidências na Capital Secreta") está o elogio de Rubem Braga, que não foi entrevistado mas disse ao autor: - "É a memória de nossa terra que se preserva" - e é mesmo.

Boa parte do que está publicado ali, seria do mais amplo desconhecimento da cidade, não fosse a publicação infelizmente esgotada e não sei se presente nas estantes de alguma de nossas Bibliotecas Públicas, e mesmo privadas, de Cachoeiro.

Para os fins deste escrito meu, fixo-me na entrevista de Gil Gonçalves, que dá esse depoimento ao Luzimar:

Diz Gil Gonçalves - "Guardo uma memória fotográfica (de Cachoeiro) para os pósteros. Essa preocupação começou na casa de meu pai, quando encontrei algumas fotografias. Apanhei aquelas fotografias. Apanhei outras e, depois de aposentado, comecei a juntar, até fazer o arquivo, que é uma coisa simples, artesanal. São fotografias que contam a história de Cachoeiro de Itapemirim".

Logo a seguir, Gil foi "provocado" pelo seu entrevistador, que lhe perguntou afirmativamente:

- "Naturalmente o senhor tem noção do que esse trabalho significa em termos de conservação da memória local".

Acredito que, imediatamente, "Seo" Gil respondeu:

- "Sei tanto que, se amanhã eu morrer, minha mulher sabe com quem vai deixar essa documentação toda (fotos antigas e históricas), se a cidade não tiver, ainda, uma casa da memória ou de cultura, para dar continuidade ao trabalho".

E a verdade é que até os dias de hoje, ainda não temos casa da memória ou de cultura estabelecida em área não inundável e nem de mais que ampla divulgação (o que espero que tenha e estou investindo nisso, com olhar essencial para a memória de Gil Gonçalves e sua coleção).

E eu, naquele tempo, não sabia de nada disso, embora ouvisse essa informação de Gil, sempre que ele dava entrevista a jornalistas, algumas na minha presença.

- "Esse cara sou eu", perdoem-me a vaidade verdadeira - fui eu quem, tempos depois, recebi a coleção de fotos dos familiares de Gil Gonçalves, cumprindo a determinação dele.

Agora, estou acabando de digitalizar, por um profissional cachoeirense amigo, essas fotos - em redor de 130 - melhorando-as substancial e tecnicamente, a fim de coloca-las em mídia digital e, quem sabe, em papel, para conservação definitiva da Coleção Gil Gonçalves, principal documento de registro fotográfico de nossa História. Mas isso é História mais para a frente... e brevemente.

 

Adianta discordar da verdade?

 

 

"O Príncipe" é a obra mais conhecida de Nicolau Maquiavel. Atravessa mais de 5 séculos de escrita. Seu sucesso e aplicação diária só encontram páreo noutro livro maiúsculo: "A Arte da Guerra", de Sun Tzu (não falo de religião).

O sucesso desses livros se baseia essencialmente em que foram escritos com base no que efetivamente acontecia nos tempos de cada um desses dois autores (a Bíblia também é assim).

O que acontecia nos tempos desses autores é o mesmo que acontece agora na mesa do Poder atual, nos escaninhos dos maiorais, nas reuniões noturnas e escondidas dos que, por exemplo, estão de olho nas eleições e nos negócios e "negócios". Afinal, homens e mulheres são sempre os mesmos; se os métodos parecem diferentes, na realidade nem eles o são.

Quem abre a guarda leva chumbo na asa. Bonzinho dá um passo à frente e o derrubam (diz a Bíblia: "não seja bom demais, nem sábio demais, por que você iria se destruir? Mas também não seja mal DEMAIS" - Eclesiastes, 7, 16 - ou seja, um pouco do mal você pode ser). E Maquiavel diz a mesma coisa, até mais moderado: "não se afastar do bem, mas saber entrar no mal, se necessário" (O Príncipe, cap. 18).

Maquiavel não enfeita as coisas, descreve-as tal como realmente são e não como os filósofos e os "bonzinhos" querem e anseiam seja. Duro de ouvir ainda hoje, mas é a verdade - não adianta colorir o preto e branco; não adianta adoçar o que não aceita açúcar. A vida é dura, e na política, na igreja, em casa, no clube, na rua, em qualquer lugar, geralmente prevalece a lei de Muricy - "cada um sabe de si".

É a lei que Maquiavel analisou no "O Príncipe". Mas o "nariz de cera" que fiz aqui é apenas para ressaltar a atualidade de Maquiavel e "O Príncipe", escrito a 510 anos, não sendo demais dizer que ele, justamente agora, é dos livros mais publicados, lidos e seguidos no mundo. Só no Brasil não menos que 60 editoras soltam edições diferentes e os livros são procurados avidamente pelas novas gerações de estudante de nível superior e por qualquer cidadão que quer se aventurar na vida pública. Ouso dizer: não será completo o cidadão que não conhecer "O Príncipe". Ser líder? Nem pensar.

Mas não custa repetir: - Maquiavel foi autor e homem público e também foi muito além da política: - servidor público, embaixador, teatrólogo, poeta, escritor, preso político torturado, cidadão sempre presente em Florença e na Itália, Maquiavel foi tudo isso e muito mais. Por isso o homenageio sempre, a despeito de alguns não o suportarem até hoje, por não suportarem a verdade. Verdade que ele demonstrou com eficiência, embora não necessariamente concordasse com ela algumas vezes. Mas adianta discordar da verdade?

 

"Os fins justificam os meios"?

Essa frase que querem imputar a Maquiavel nunca foi escrita por ele. Das dezenas e dezenas, quase centena de traduções de "O Príncipe" para a língua portuguesa identifiquei apenas a tradução da Editora Martin Claret, com tal frase. As demais, nenhuma delas traz esse abuso "traducional".

Mas é melhor ir à fonte do que aos boatos. É o que faço abaixo, seguindo alguma lição maquiaveliana (... e maquiavélico é outra coisa, fique registrado). A frase de Maquiavel é "E nelle azione de tutti gli uomini, e massime de principi, dove non è iudizio a chi reclamare, si guarda al fine" - mero reconhecimento dos fatos e nunca concordância moral.

 

 

 


Higner Mansur Advogado, guardião da cultura cachoeirense e, atamente, vereador

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