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Vitor, meu filho mais novo, anos atrás, recebeu de presente um passarinho


Vitor, meu filho mais novo, anos atrás, recebeu de presente um passarinho. Na verdade, um filhote de periquito, conhecido como Calopsita. Na ocasião, uma ave bem pequena, desnutrida, lembrava um prematuro indefeso. Por vários dias, com dedicação, ele cuidou. Oferecia líquidos e alimentos, em pequenas seringas, gota a gota, diretamente no bico do pequenino. Eu, nada dizia, apenas observava. Nunca fui afeito a animais, menos ainda aos pássaros. Mas admirava a maneira do cuidar. Com o passar dos dias, o pequeno periquito transformou-se. Ganhou penas, as asas cresceram, ele fazia pequenos vôos, pelo apartamento e em sua gaiola. Seu corpo tomou uma coloração azul e Vitor o apelidou de Azulix. Azulix aprendeu a cantar. Meses à frente ensaiava um canto que lembrava o hino nacional brasileiro. Quando em visita ao apartamento, na praia de Itapoã, em Vila Velha, na sacada eu ficava, sentava próximo à sua gaiola, lia o jornal, ele parecia entender, ficava em silêncio por um bom tempo, apenas um leve balançar de asas... Era diferente pela manhã de fim de semana. Logo cedo, com o nascer do dia e com o assanhamento do sol, ele ecoava seu canto. Alegrava-se com o alimento oferecido pelo Vitor. Um biscoito, ou uma pequena parte de uma maçã, era um banquete na presença do amigo. Vitor, devido atividades em seu último ano no curso de medicina, passou uma temporada em Anchieta, no Programa de Saúde para a Família. Azulix permaneceu em Vila Velha sob os cuidados dos tios e avós do Vitor. Apesar das atenções, Azulix, dias depois, apresentou-se triste, não mais cantava e recusava alimentos. Parecia doente, tudo indicava algo grave, uma doença desconhecida dos humanos. O veterinário diagnosticou: Tristeza profunda! Saudades... Vitor retorna e Azulix se recupera. Volta o canto forte. Retorna a alegria e o canto no apartamento. Em minha racionalidade estranhava a recuperação e questionava: Será uma cura aparente? Na prática médica, em hospital, alguns pacientes apresentam, também, uma melhora quando na terminalidade. Dias depois, Vitor telefonou e disse: "Azulix morreu." Ele contou: "Quando acordei, não ouvi seu canto, procurei na gaiola, ele estava caído. Morreu durante o sono da noite. Na noite anterior, antes de dormir, ouvi seu último canto. Era um canto triste. Levei seu corpo e o enterrei no quintal do vô." Pensei... O quintal encontra-se próximo ao morro do Convento da Penha, pela proximidade, acho que Azulix ficou encantado.

Tão encantado que me lembro dele nos fins de semana que retorno à Itapoã.  No último sábado estava em Vila Velha e visitei meu sogro. Ele encontra-se fragilizado, pele branca, quase transparente. Fragilizado como o Azulix em seus primeiros dias de vida. No domingo, ao retornar a Cachoeiro, fui direto ao apartamento do Vitor para visitar meu neto João. Ele, sorridente e serelepe, agitava-se nos braços do pai. Encontra-se distante das fragilidades do Azulix. Ainda assim, demanda os cuidados e precauções desta pandemia. Entre o sábado e domingo eu convivi com gerações diferentes que nos faz pensar na vida e em suas transformações.

 

Sergio Damião Santana Moraes

 


Sergio Damião Médico e cronista

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